Durante o
primeiro semestre de 2016, foram publicados dois documentos que trouxeram dados
novos para a discussão da pobreza no mundo. Em Fevereiro de 2016 o Stanford Center
on Poverty and Inequality publicou o seu relatório anual “The Poverty and Inequality
Report” (aqui)onde se conclui que os Estados Unidos da América são o país com os
maiores índices de pobreza e de desigualdade, quando comparados com outros 09
países desenvolvidos e em Abril, Branko Milanovic publicou o seu livro “Global
Inequality: A New Approach for the Age of Globalization” (aqui) que aporta novos dados
que apontam para a redução das desigualdades entre países ricos e pobres, por
via do crescimento de países, como a China e a Índia, aproximando o mundo da
situação vivida por volta de 1820, quando a principal fonte de desigualdade era
a origem social (classe) em vez da localização geográfica. De acordo com os
dados publicados, enquanto nos países do Sul da Ásia as classes médias da China
e da índia viram os seus rendimentos aumentar, nos países ricos as classes
médias viram os seus rendimentos reduzidos ao mesmo tempo que a riqueza se
concentrava nos 1% mais ricos
Branko Milanovic propõe como explicação para
esta situação, a globalização, o deslocamento do trabalho e a revolução
digital. Numa entrevista ao “Estadão” Branko Milanovic (aqui)explica ao jornalista
que o questiona: “ P - Por que não se deve separar globalização e tecnologia
para aferir seus efeitos na desigualdade? R - Olhe à nossa volta e veja quantos
exemplos de avanço tecnológico: tablet, computador, smartphones. Esses
aparelhos nos tornam mais produtivos mas, para produzi-los, é necessário mão-de-obra
barata, essencialmente asiática. Assim, o progresso tecnológico precisou da
globalização para ser incorporado nos aparelhos. E, se não pudessem ser fabricados
com mão- de-obra-barata, seu smartphone não teria aplicativos como o Uber. O
número de pessoas que poderiam pagar por um iPhone fabricado na Suécia seria
tão baixo que o Uber não teria razão de existir” e mais à frente referindo-se
ao conceito de scalable job
explicitado por Nassim Taleb no livro “Cisne Negro” «scalable jobs are those
where a person´s same unit of labour can be solde many times over” responde “ P
- Qual a relação da desigualdade com o trabalho em escala hoje? R - O chamado scalable job ocorre quando você pode
vender a mesma unidade de trabalho inúmeras vezes. Quando faço uma palestra e
ela é colocada à venda online, eu não
continuo a proferir a palestra, só a ser remunerado por ela. De novo, a
tecnologia e a globalização caminhando juntas para fazer com que mais ocupações
sejam beneficiadas por escala. E isso leva a uma forte concentração de renda. O
público global vai querer assistir só ao vídeo do tenista número um do ranking
mundial. A Metropolitan Opera de Nova Iorque transmite seus concertos ao vivo
para o mundo em salas de cinema. Como pode uma companhia de ópera regional
competir com isso?”
Mas ao
mesmo tempo que diminuem as desigualdades entre países ricos e pobres, os dados
das Nações Unidas, mostram que mais de 836 milhões de pessoas ainda vivem em
pobreza extrema, que 1 em cada 5 vivem em regiões em desenvolvimento com menos
de 1.25 dólares americanos (€1.12) concentrando-se a sua maioria no Sul da Ásia
e na África Subsariana, acrescentando que a pobreza não afeta apenas os países
de renda baixa, uma vez que os países de renda média como a China, a Indonésia,
a Nigéria ou a Índia concentram metade dos pobres do mundo e que nos países
desenvolvidos existem 30 milhões que crescem pobres nos países mais ricos do
mundo.
Pobreza que
não é apenas a falta de rendimento e de recursos para assegurar uma
subsistência sustentável, mas tem antes uma natureza multidimensional que fez
com que as Nações Unidas criasse o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM),
publicado pela primeira vez em 2010.
O índice
identifica carências em três dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano,
mostra o número de pessoas que são multidimensionalmente pobres (33% dos que
apresentam carências em ou mais dos indicadores ponderados) e o número de privações
com a qual as famílias pobres têm de lidar.
Assim e de
acordo com os resultados obtidos através da aplicação do IPM, 29% da população
mundial vive em pobreza multidimensional (1.5 bilhões de pessoas), ou seja, com
pelo menos 33% dos indicadores que refletem a privação aguda em saúde, em
educação e nos padrões de vida, e perto de 900 milhões de pessoas podem cair na
pobreza se ocorrerem dificuldades - financeiras, naturais ou outras.
O trabalho
de Milanovic mostra que nos últimos 20 anos o crescimento simultâneo do mundo
emergente (principalmente da Ásia), da classe média da China e da Índia e da
plutocracia global, foi acompanhado do esvaziamento da classe média ocidental e
da negligência dos mais pobres.