domingo, 21 de outubro de 2018

ALMA-ATA 40 ANOS DEPOIS, UM NOVO COMEÇO PARA OS CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE

Há 40 anos em plena Guerra Fria, reunia-se em Alma-Ata (Almaty) capital da República Soviética do Cazaquistão (ex – URSS) a Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários, reunindo peritos em saúde e decisores políticos de todo o mundo em conjunto com os representantes dos 134 países membros da Organização Mundial de Saúde. (aqui)
Nessa época estimava-se que 2000 milhões de pessoas não tinham acesso a cuidados de saúde adequados, existiam grandes desigualdades entre países ricos e países pobres, bem como entre as populações mais ricas e mais pobres dentro do mesmo país. A Declaração de Alma-Ata assinada no dia 12 de Setembro de 1978 revolucionou a interpretação da saúde no mundo. A ideia de que a saúde devia ser vista como um recurso para o desenvolvimento socioeconómico e de que cuidados de saúde inadequados e iníquos eram inaceitáveis dos pontos de vista económico, social e político, tornou-se na sua principal mensagem.

Em 1978, a Declaração de Alma-Ata (aqui)foi inovadora ao colocar os cuidados de saúde primários como a chave para uma melhor saúde para todos e os valores da justiça social e da equidade em saúde como princípios basilares para atingir esse desígnio.
Passados 40 anos, os cuidados de saúde primários estão em crise. As razões para esta crise são muitas, mas elencaremos apenas as duas mais relevantes, por um lado o aparecimento do HIV/SIDA e carga de doença global que trouxe associada, por outro lado a visão de que os cuidados de saúde primários eram politicamente inaceitáveis para alguns países, e, portanto marginalizados no contexto económico e social iniciado nos anos de 80 com adoção pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional de políticas neoliberais sustentadas no Consenso de Washington (aqui), que levaram a “abordagens seletivas” dirigidas a alguns problemas de saúde em detrimento de uma abordagem global.

Atualmente os cuidados de saúde primários, estão subfinanciados e pouco desenvolvidos em muitos países, enfrentando grandes desafios no recrutamento e na retenção dos seus profissionais.

Em 2018 metade da população mundial não tem acesso aos cuidados de saúde mais essenciais, apesar de sabermos. desde há muito, que 80-90% das necessidades em saúde ao longo de da vida podem ser resolvidas ao nível dos cuidados de saúde primários(da prevenção de doenças à vacinação, da maternidade à gestão das doenças crónicas ou aos cuidados paliativos)e que à medida que as populações envelhecem e a multimorbilidade se torna regra, o papel dos cuidados de saúde primários torna-se cada vez mais importante.

Em 1978, a Declaração de Alma-Ata colocou os cuidados de saúde primários, enquanto filosofia, estratégia para organização de serviços e um conjunto de atividades, como chave para a “Saúde para Todos”, mas 40 anos depois, essa visão não foi concretizada, e, em vez disso, o foco tem sido centrado nas doenças individuais com resultados variáveis.

Contudo, com a aprovação em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas dos “Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável” estão criadas novas condições para alcançar a cobertura universal de saúde através dos cuidados de saúde primários fortalecidos.(aqui)

A realização da Conferência Global sobre Cuidados de Saúde Primários, em Astana no Cazaquistão, organizada pelo Governo do Cazaquistão, pela OMS e pela UNICEF no próximos dias 25 e 26 de outubro (aqui), será a oportunidade para renovar o compromisso político dos Estados membros da OMS e das organizações internacionais para desenvolver cuidados de saúde primários centrados nas pessoas, com base nos princípios da Declaração de Alma-Ata.
O renascimento dos cuidados de saúde primários é essencial para conseguir o desígnio de alcançar “Saúde para Todos”, incluindo os mais vulneráveis. Promover os valores da solidariedade, da equidade e da participação, investir nos sistemas de saúde, promover a transparência e a responsabilidade, tornar os sistemas mais abertos são alguns dos principais compromissos dos países da região Europeia da OMS, inscritos na Carta de Tallinn de 2008 (aqui), e fortalecidos na reunião Europeia de Tallinn de 2018 (aqui) de acordo os seguintes princípios: Incluir (melhorar a cobertura de saúde, o acesso e a proteção financeira para todos; Investir (defendendo o investimento em sistemas de saúde) e Inovar (aproveitando inovações e sistemas para considerar as necessidades das pessoas.

Para cumprir estes objetivos devem os países dar uma atenção especial aos profissionais de saúde, uma vez que são um fator essencial para o desempenho e a sustentabilidade dos sistemas de saúde e em particular para os cuidados de saúde primários. Ao longo dos últimos 30 anos desenvolveram-se novos modelos de intervenção nos cuidados de saúde primários, de que são exemplo, os agentes comunitários de saúde (aqui), as equipas interprofissionais centradas nas necessidades dos pacientes em que as enfermeiras(os) prestam grande parte dos cuidados, incluindo a promoção da saúde e a gestão das doenças crónicas, e desenvolveram-se esforços para dotar os países de renda média e baixa de médicos de família graças ao trabalho da Organização Mundial dos Médicos de Família (WONCA), mas as dificuldades para recrutar e para manter profissionais nos cuidados de saúde primários mantem-se (aqui). Mesmo entre os países europeus a escassez de médicos de família é uma realidade (aqui), em particular nas áreas territoriais de baixa densidade populacional. Em muitos países a medicina geral e familiar é vista como uma especialidade com pouco prestígiada, mal paga e associada uma elevada carga administrativa. Tornar os cuidados de saúde primários num local mais atraente é crucial  para recrutar e manter os melhores profissionais, e uma das evidências apresentadas no Fórum Europeu de Saúde em Gastein, na Áustria, de 3 a 5 de outubro (aqui), que comprovou a necessidade de novos currículos, uma maior participação das unidades de saúde das áreas rurais no ensino da medicina, da enfermagem e de outras profissões de saúde, do desenvolvimento de equipas multiprofissionais e de melhores suportes ao desenvolvimento dos cuidados, quer ao nível das infraestruturas, quer ao nível das inovações tecnológicas.

A Declaração a ser aprovada em Astana(aqui) deve marcar a revitalização e um novo futuro para os cuidados de saúde primários, de forma a garantir o desenvolvimento de sistemas de saúde para todos (cobertura universal) e o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (aqui).

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