Há 40 anos em
plena Guerra Fria, reunia-se em Alma-Ata (Almaty) capital da República
Soviética do Cazaquistão (ex – URSS) a Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários, reunindo peritos em saúde e decisores políticos de todo o
mundo em conjunto com os representantes dos 134 países membros da Organização
Mundial de Saúde. (aqui)
Nessa época
estimava-se que 2000 milhões de pessoas não tinham acesso a cuidados de saúde
adequados, existiam grandes desigualdades entre países ricos e países pobres,
bem como entre as populações mais ricas e mais pobres dentro do mesmo país. A
Declaração de Alma-Ata assinada no dia 12 de Setembro de 1978 revolucionou a interpretação
da saúde no mundo. A ideia de
que a saúde devia ser vista como um recurso para o desenvolvimento
socioeconómico e de que cuidados de saúde inadequados e iníquos eram
inaceitáveis dos pontos de vista económico, social e político, tornou-se na sua
principal mensagem.
Em 1978, a
Declaração de Alma-Ata (aqui)foi inovadora ao colocar os cuidados de saúde primários como a chave para uma melhor saúde para todos e os valores da justiça social e
da equidade em saúde como princípios basilares para atingir esse desígnio.
Passados 40
anos, os cuidados de saúde primários estão em crise. As razões para esta crise
são muitas, mas elencaremos apenas as duas mais relevantes, por um lado o aparecimento
do HIV/SIDA e carga de doença global que trouxe associada, por outro lado a
visão de que os cuidados de saúde primários eram politicamente inaceitáveis para
alguns países, e, portanto marginalizados no contexto económico e social
iniciado nos anos de 80 com adoção pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional de políticas neoliberais sustentadas no Consenso de
Washington (aqui), que
levaram a “abordagens seletivas” dirigidas a alguns problemas de
saúde em detrimento de uma abordagem global.
Atualmente
os cuidados de saúde primários, estão subfinanciados e pouco desenvolvidos em
muitos países, enfrentando grandes desafios no recrutamento e na retenção dos
seus profissionais.
Em 2018
metade da população mundial não tem acesso aos cuidados de saúde mais
essenciais, apesar de sabermos. desde há muito, que 80-90% das necessidades em saúde
ao longo de da vida podem ser resolvidas ao nível dos cuidados de
saúde primários(da prevenção de doenças à vacinação, da maternidade à gestão das doenças
crónicas ou aos cuidados paliativos)e que à medida que as populações envelhecem
e a multimorbilidade se torna regra, o papel dos cuidados de saúde primários torna-se
cada vez mais importante.
Em 1978, a
Declaração de Alma-Ata colocou os cuidados de saúde primários, enquanto filosofia,
estratégia para organização de serviços e um conjunto de atividades, como chave
para a “Saúde para Todos”, mas 40 anos depois, essa visão não foi concretizada,
e, em vez disso, o foco tem sido centrado nas doenças individuais com
resultados variáveis.
Contudo, com
a aprovação em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas dos “Objetivos para
o Desenvolvimento Sustentável” estão criadas novas condições para alcançar a
cobertura universal de saúde através dos cuidados de saúde primários fortalecidos.(aqui)
A
realização da Conferência Global sobre Cuidados de Saúde Primários, em Astana
no Cazaquistão, organizada pelo Governo do Cazaquistão, pela OMS e pela UNICEF no
próximos dias 25 e 26 de outubro (aqui), será a oportunidade para renovar o
compromisso político dos Estados membros da OMS e das organizações internacionais
para desenvolver cuidados de saúde primários centrados nas pessoas, com base
nos princípios da Declaração de Alma-Ata.
O
renascimento dos cuidados de saúde primários é essencial para conseguir o desígnio
de alcançar “Saúde para Todos”, incluindo os mais vulneráveis. Promover os
valores da solidariedade, da equidade e da participação, investir nos sistemas
de saúde, promover a transparência e a responsabilidade, tornar os sistemas
mais abertos são alguns dos principais compromissos dos países da região
Europeia da OMS, inscritos na Carta de Tallinn de 2008 (aqui), e fortalecidos na
reunião Europeia de Tallinn de 2018 (aqui) de acordo os seguintes princípios: Incluir (melhorar a
cobertura de saúde, o acesso e a proteção financeira para todos; Investir (defendendo
o investimento em sistemas de saúde) e Inovar (aproveitando inovações e
sistemas para considerar as necessidades das pessoas.
Para
cumprir estes objetivos devem os países dar uma atenção especial aos
profissionais de saúde, uma vez que são um fator essencial para o desempenho e
a sustentabilidade dos sistemas de saúde e em particular para os cuidados de saúde primários. Ao longo dos últimos 30 anos desenvolveram-se novos modelos
de intervenção nos cuidados de saúde primários, de que são exemplo, os agentes
comunitários de saúde (aqui), as equipas interprofissionais centradas nas necessidades
dos pacientes em que as enfermeiras(os) prestam grande parte dos cuidados,
incluindo a promoção da saúde e a gestão das doenças crónicas, e desenvolveram-se
esforços para dotar os países de renda média e baixa de médicos de família
graças ao trabalho da Organização Mundial dos Médicos de Família (WONCA), mas as dificuldades para recrutar e para manter profissionais nos cuidados de saúde primários mantem-se (aqui). Mesmo entre os países europeus a
escassez de médicos de família é uma realidade (aqui), em particular nas áreas
territoriais de baixa densidade populacional. Em muitos países a medicina geral
e familiar é vista como uma especialidade com pouco prestígiada, mal paga e
associada uma elevada carga administrativa. Tornar os cuidados de saúde primários num local mais atraente é crucial para
recrutar e manter os melhores profissionais, e uma das evidências apresentadas no Fórum
Europeu de Saúde em Gastein, na Áustria, de 3 a 5 de outubro (aqui), que comprovou a
necessidade de novos currículos, uma maior participação das unidades de saúde
das áreas rurais no ensino da medicina, da enfermagem e de outras profissões de
saúde, do desenvolvimento de equipas multiprofissionais e de melhores suportes
ao desenvolvimento dos cuidados, quer ao nível das infraestruturas, quer ao
nível das inovações tecnológicas.
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