Ao longo da
década de 80 sucedeu-se uma prolongada batalha política e jurídica em torno da
introdução de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS) português.
Previstas
no artigo 7.º da Lei n.º56/79 de 15 de setembro, o Serviço Nacional de Saúde onde se
afirmava Lei de Bases da Saúde também conhecida pela Lei Arnaut que criavaque “O acesso ao SNS é gratuito, sem prejuízo do estabelecimento de
taxas moderadoras diversificadas tendentes a racionalizar a utilização das
prestações” as taxas moderadoras teriam de ser posteriormente reguladas.
Foi assim
que durante a vigência dos VIII Governo Constitucional e IX Governo Constitucional, os ministros dos Assuntos Sociais e da Saúde procuraram
estabelecer comparticipações fixas para medicamentos e taxas moderadoras no
acesso a cuidados de saúde. Contestadas pelo Provedor de Justiça são
consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional em 1983 e em 1985
não por razões substantivas, mas por não terem sido estabelecidas por
decreto-lei ou com base num decreto-lei. (aqui)(aqui)
Mas foi com
a revisão constitucional de 1989 (aqui), e a modificação do n.º 2 do artigo 64.º da
Constituição da República em que a expressão “... Serviço Nacional de Saúde,
universal, geral e gratuito...” é substituída por “... Serviço Nacional de
Saúde, universal e geral... tendencialmente gratuito” que as taxas moderadoras
passam a poder ser aplicadas sem obstrução do Tribunal Constitucional. Mesmo
assim chamado de novo o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a
constitucionalidade da nova Lei de Bases da Saúde de 1990 (Lei n.º 48/90, de 24 de agosto),aprovada pelo XI Governo Constitucional que previa na alínea c) da Base XXIV, entre as características
essenciais do SNS, o “ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em
conta as condições económicas e sociais dos cidadãos”, sublinha no seu Acórdão 731/95
que a cobrança de taxas moderadoras será admissível, não sendo
inconstitucional, desde que essas mesmas taxas tenham como finalidade a
racionalização da utilização do SNS, que não correspondam ao pagamento do preço
dos cuidados de saúde prestados e não criem impedimento ou restrição do acesso
dos cidadãos económica e socialmente mais desfavorecidos aos cuidados de saúde.
Nos anos
seguintes os sucessivos governos legislaram sobre o regime de taxas moderadoras
no acesso à prestação de cuidados de saúde e atualizaram os preços a aplicar em
1992, 2003, 2004, 2004, 2006, 2007 e 2008, passando ainda a discutir o papel
das taxas moderadoras como elemento financiador do Serviço Nacional de Saúde.
Criadas nos
sistemas de saúde seguro-doença (aqui), na primeira década do século XX, as taxas
moderadoras tinham como objetivo atuar do lado da procura, reduzir a procura
desnecessária associada ao risco moral da gratuidade e ao efeito de terceiro pagador. No caso de Portugal em que o sistema se baseia no princípio consagrado
na Constituição de garantir a todos os cidadãos o direito à saúde através de um
Serviço Nacional de Saúde, fundado nos princípios da equidade as taxas
moderadoras devem ter apenas um caráter extraordinário de dissuadir uma parte
da procura desnecessária em particular nos serviços de urgência, mas nunca um
carater de cofinanciamento do sistema.
Apesar
deste preceito constitucional, o entendimento político recorrente ao longo dos
últimos 20 anos, foi de aceitar que as taxas moderadoras constituem “receita do
Serviço Nacional de Saúde”.
Foi assim
que em 2006 o XVII Governo Constitucional, enquanto nomeava uma comissão para a
estudar a sustentabilidade do financiamento do SNS, introduzia no Orçamento
Geral do Estado de 2007 duas novas taxas moderadoras para acesso às prestações
de saúde de internamento e de ato cirúrgico realizado em ambulatório. Comissão
essa que em junho de 2017 veio a recomendar ao governo, entre outras medidas
para a sustentabilidade financeira do SNS, a revisão do regime de isenções das
taxas moderadoras baseada na capacidade de pagamento e de necessidade de
continuidade de cuidados de saúde e a atualização das taxas moderadoras como
medida de disciplina e de valorização dos serviços prestados.
Mas mais
uma vez tal com tinha acontecido em 1987, perante o clima de contestação
pública e parlamentar, é o próprio governo que decreta a revogação das “duas
novas taxas moderadoras” em 2009 (aqui).
Com o
despoletar da crise económica e financeira em 2008, Portugal viu-se obrigado a
implementar um conjunto de medidas de austeridade durante os anos de 2009 e
2010 que vieram a culminar com a assinatura de um Memorando de Entendimento sobre
as Condicionalidades de Política Económica (MoU) com a Troika para garantir o
financiamento país. No que refere às taxas moderadoras o MoU impunha um aumento
do valor das taxas moderadoras, o aditamento do pagamento de taxas moderadoras
nas consultas de enfermagem, nas consultas não presenciais e nas sessões de
hospital de dia, alterava o regime de isenções, estatuía procedimentos de
cobrança e estabelecia a indexação automática à taxa da inflação divulgada pelo
INE, relativa ao ano civil anterior (aqui).
Assim e ao
longo do período de intervenção da Troika a receita das taxas moderadoras veio
sempre a crescer, originado um aumento médio de mais de 100% no valor das taxas
nas consultas e urgências e de 180% nos MCDT.
Com a
mudança eleitoral verificada em 2016, entendeu o XXI Governo Constitucional reduzir os montantes a cobrar aos utentes, eliminar o pagamento de algumas
taxas moderadoras, alargar o sistema de isenções aos dadores de sangue, aos
dadores vivos de células, tecidos e órgãos e aos bombeiros, e os atendimentos
de urgência, bem como os exames de diagnóstico aí realizados desde que
referenciados pelos médicos de família, pelo centro de atendimento do SNS e
pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
Foi neste
contexto de uma nova maioria política mais favorável à eliminação de algumas
taxas moderadoras, que o Bloco de Esquerda apresentou no final da legislatura
(2015-2019) uma proposta de lei que dispensa a cobrança de taxas moderadoras em
duas circunstâncias: o atendimento, consulta e outras prestações de saúde no
âmbito dos Centros de Saúde e consultas, atos complementares prescritos e
outras prestações de saúde, se a origem de referenciação para estas for o
Serviço nacional de Saúde, sustentada na convicção que num sistema tipo Serviço
Nacional de Saúde, “As taxas moderadoras representam um obstáculo no acesso à
prestação de cuidados de saúde por parte da população. Elas não moderam aquilo
a que alguns chamam de procura desnecessária; elas são, isso sim, uma forma de
copagamento…” (aqui)e nos resultados dos estudos da Nova, que apontam para uma perda
de 243.755 consultas nos centros de saúde, 296.509 consultas num hospital do
SNS e 165.692 exames de diagnóstico relacionadas com os custos das taxas
moderadoras.
Aprovada na
generalidade no passado dia 14 de junho com os votos a favor do PSD, do PS, do BE,
do PCP, do PEV, do PAN, do deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira e com os votos
contra do CDS-PP, o projeto de lei acabou por baixar à Comissão de Saúde para
ser discutido na especialidade, onde acabou por ser rejeitado com os votos do
PSD, CDS e PS. (aqui)
Na Comissão
de Saúde, o PS e o PSD apesar de manterem a sua concordância com a proposta
aprovada argumentaram a favor de uma legislação que seja definida na próxima
legislatura após a aprovação da Lei de Bases da Saúde. Defendendo o Governo
através da ministra da saúde e do secretário de estado adjunto e da saúde que a
futura Assembleia da República deve ter em conta que a receita gerada pelas
taxas moderadoras representa 1.6% da despesa do SNS (160 milhões de euros em
2018) e cerca de ¼ do crescimento verificado no aumento da dotação financeira
do Serviço Nacional de Saúde em 2019 (aqui).
As taxas moderadoras seguramente são uma receita, pelos vistos cerca de 1,6% do SNS.
ResponderEliminarO que eu gostaria de saber é se constituíram mesmo uma moderação razoável ao acesso dos serviços, pelo menos da parte da população mais abonada e que por isso não estavam isentos.
Se funcionava adequadamente como moderação, então a sua eliminação irá provocar uma despesa maior que os 1,6% da receita que agora é eliminada, pois que haverá maior consumo dos serviços de saúde pelos mais "abonados" em prejuízo dos menos "abonados", e isso certamente não era o que se pretendia...
A materia em apreco mereceu um artigo meu no final foa anos 80, creio, na Revista Portuguesa de Saude Publica. Desincentivo de peocura desnecessaria e co pagamento eram argumentados. O problema esta em que os resultados das decisoes politicas raramente sao investigados EM PROFUNDIDADE. Tal como a adopcao das mesmas. Portugal e muito comandado pela ideologia na esquerda como na direita. Se o problema da PROCURA punlixa e orivada e materia GRAVISSIMA para merecer investigacao, nao menos o E a questao do financiamento do SISTEMA e nao apenas do SNS. As conclusoes de tais investigacoes mereceriam reflexao para o MODELO DE SISTEMA DE SAUDE e de SNS.
ResponderEliminarO sistema apresenta sintomas graves que os lideres afloram superficialmente.