Na sua
edição de hoje a Lancet, uma das mais antigas e prestigiadas revistas médicas
do mundo, dedica o seu Editorial ao Brasil e à sua resposta à Pandemia do
COVID-19, titulando que “ Bolsonaro é a maior ameaça à COVID-19 no Brasil
sugerindo “Mude ou Saia” (aqui)
COVID-19 no
Brasil: E daí?
Tradução
livre com notas do Editorial da Lancet de 09 de maio 2020.
A pandemia
de COVID-19 chegou mais tarde à América Latina do que a outros continentes (aqui). O
primeiro caso registado no Brasil foi em 25 de fevereiro de 2020. Mas o Brasil
é agora o país da América Latina com mais casos e mortes (147 003 casos e 10037
mortes em 9 de maio), apesar destes números serem subestimadas e provavelmente
muito mais elevados (aqui) (aqui). Mas ainda mais preocupante, é a duplicação
da taxa de mortes estimada em apenas 5 dias (aqui) assim como o resultado de um
recente estudo do Imperial College (Londres, Reino Unido), que analisou a taxa
de transmissão ativa do COVID-19 em 48 países, e que mostra que o Brasil é o
país com a maior taxa de transmissão R0 de 2,81 (aqui). Grandes cidades como São Paulo
e Rio de Janeiro são atualmente os principais locais de maior incidência do
COVD-19, existindo sinais preocupantes de que os novos casos estão a caminhar para
o interior dos estados atingindo cidades mais pequenas, com pouca capacidade de
resposta quer em camas de cuidados intensivos quer em ventiladores (aqui) (aqui). No entanto,
talvez a maior ameaça à resposta ao COVID-19 no Brasil seja o seu presidente,
Jair Bolsonaro.(aqui)(aqui)
Quando questionado
pelos jornalistas na semana passada sobre o número cada vez maior de casos de
COVID-19, respondeu: “E daí? O que quer você que eu faça?" Ele não apenas
continua a semear confusão, desrespeitando abertamente as medidas sensatas de
distanciamento e de confinamento decididos pelos governadores dos estados e pelos
presidentes dos municípios, como perdeu dois ministros importantes e influentes
nas últimas três semanas.(aqui)
Primeiro,
em 16 de abril, Luiz Henrique Mandetta, o respeitado e bem quisto Ministro da
Saúde, foi demitido depois ter criticado fortemente as ações de Bolsonaro numa
entrevista à televisão, na qual pediu unidade nas decisões e nas mensagens do
governo, com o risco de deixar os 210 milhões de brasileiros totalmente
confusos. Depois no dia 24 de abril, após a demissão do chefe da polícia
federal do Brasil por Bolsonaro, o ministro da Justiça Sérgio Moro, uma das
figuras mais poderosas do governo de direita brasileiro nomeado por Bolsonaro
para combater a corrupção, anunciou sua renúncia. Esta confusão no coração do
governo é uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública e
também é um forte sinal de que a liderança do Brasil perdeu a sua bússola
moral, se é que alguma vez a teve.
Mesmo sem este
vazio de ações políticas ao nível do governo federal, o Brasil teria sempre dificuldades
em combater o COVID-19. Cerca de 13 milhões de brasileiros vivem em favelas, em
habitações que têm no geral mais de três pessoas por quarto e pouco acesso à
água potável. As recomendações de distanciamento físico e higiene são quase
impossíveis de seguir nesses locais – apesar de muitas favelas se terem
auto-organizado para implementar as medidas da melhor maneira possível (aqui). O
Brasil possui um grande setor informal de emprego, com muitas fontes de renda
que não são mais uma opção. A população indígena que já estava sob séria ameaça
mesmo antes do surto do COVID-19, porque o governo ignorou ou até incentivou a
mineração e extração ilegal de madeira na floresta amazónica. Agora, esses
madeireiros e mineradores correm o risco de levar o COVID-19 até às populações
remotas da floresta amazónica. Uma carta aberta lançada no dia 3 de maio por
Sebastião Salgado subscrita por centenas de artistas, intelectuais, cientistas
e políticos de todo o mundo alerta para o genocídio iminente dos povos da floresta. (aqui)
E o que é
que estão a fazer a sociedade civil e comunidade da saúde e da ciência do
Brasil, num país conhecido pelo seu ativismo e franca oposição à injustiça e à
desigualdade e favor da saúde como um direito constitucional?
Muitas
organizações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências e a ABRASCO,
há muito se opõem a Bolsonaro por causa dos duros cortes no orçamento da ciência
e pelas medidas que tem levado à destruição da segurança social e dos serviços
públicos do Brasil.
No contexto do COVID-19, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão Arns, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançaram um o Pacto pela Vida e pelo Brasil que obteve o apoio de mais de 80 entidades. Muitas declarações e pedidos por escrito de funcionários do governo pedem unidade e soluções conjuntas.
No contexto do COVID-19, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão Arns, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançaram um o Pacto pela Vida e pelo Brasil que obteve o apoio de mais de 80 entidades. Muitas declarações e pedidos por escrito de funcionários do governo pedem unidade e soluções conjuntas.
Os
“Panelaços”(aqui) como protesto durante as intervenções presidenciais acontecem com
frequência. Há muita investigação em curso, da ciência básica à epidemiologia,
e há rápida produção de equipamentos de proteção individual, respiradores e kits
de teste.
Estas ações
são sinais de esperança. No entanto, a liderança no mais alto nível do governo
é crucial para evitar rapidamente o pior resultado desta pandemia, como é
evidente em outros países. Na nossa série Lancet Brasil, os autores concluíram:
“O desafio é, em última análise, político, exigindo o envolvimento contínuo da sociedade brasileira como um todo para garantir o direito à saúde de todos os brasileiros”.
O Brasil
como país deve-se unir para dar uma resposta clara ao "E daí?" do seu
Presidente. Ele precisa mudar drasticamente de rumo ou deve ser o próximo a sair.