O Serviço Nacional de Saúde tem
75 anos de idade e não está bem. Os doentes com suspeita de ataque cardíaco
esperam uma ambulância cinco vezes mais tempo do que a meta de 18 minutos. Em
2022, 347.707 doentes passaram mais de 12 h nos serviços de Acidentes e
Emergências à espera de uma cama, quatro vezes mais do que nos 10 anos
anteriores juntos. O excesso de mortes em 2022 foi o mais elevado em 50 anos.
Estão a sair números recorde de profissionais do SNS. Infelizmente, é provável
que as coisas piorem antes de melhorarem. Pela primeira vez na história do SNS,
tanto enfermeiros como pessoal de ambulâncias irão fazer greve a 6 de
fevereiro, a menos que se chegue a um acordo sobre os salários. Os médicos em
formação também irão votar se vão fazer greve. Este é sem dúvida o momento mais
perigoso para o SNS desde o seu início.
Problemas crónicos e agudos têm-se conjugado para fomentar esta
rápida deterioração. Embora os sintomas estejam presentes desde pelo menos
2015, têm sido mal diagnosticados e deixados sem tratamento. O subinvestimento,
a falta de pessoal e o funcionamento do sistema na sua capacidade máxima foram
exacerbados pela profunda desmoralização e exaustão do pessoal do SNS, pelo
aumento da procura de serviços e pelo aumento da COVID-19 e da gripe no
inverno. A saúde da população tem sido negligenciada, o atraso na esperança de
vida e as deficiências do sistema de assistência social têm sido ignorados.
No debate sobre soluções, há várias confusões inúteis. Primeiro, a tendência do
Governo é acreditar que o atual modelo do SNS é insustentável e necessita de
uma mudança radical, com copagamentos e contribuições de utilizadores com mais
meios, como foi recentemente dito pelo ex-Secretário da Saúde Sajid Javid. Este
ponto de vista é profundamente errado. Com a abordagem certa, o SNS é
sustentável e deve manter o princípio da prestação de cuidados gratuitos
conforme as necessidades, que é o fundamento de uma sociedade justa. Segundo, que o SNS tem um
problema de produtividade e que não faz o suficiente com o que lhe é dado. Isto
é mal-entender o objetivo dos cuidados de saúde, que não são uma fábrica para
doentes, julgados de acordo com uma métrica grosseira de eficiência, mas um
serviço baseado em cuidados, solidariedade e qualidade. Continuar a
concentrar-se em fazer comparativamente mais por comparativamente menos é
perigoso e obviamente prejudicial. Em terceiro lugar, que os desafios enfrentados
pelo SNS podem ser resolvidos através do recurso a um setor de saúde privado
mais forte. O pessoal do setor privado do Reino Unido é maioritariamente
proveniente do mesmo pessoal que compõe o setor público. Roubar um para
fortalecer outro, enquanto se destrói fatalmente o serviço de saúde, não faz
sentido. Em quarto lugar, a proposta de uma Comissão Real ou de um consenso
interpartidário é pouco provável que seja útil. O SNS enfrenta uma crise de
pessoal e uma crise de capacidade estreitamente ligadas a uma crise social.
Temos um diagnóstico e o Governo deve agora avançar para tratar estas
patologias. Evitar fazê-lo deve ser visto como uma escolha ideológica e não é
devido a uma incurabilidade fundamental e inata.
A curto prazo, existem dois
remédios. Primeiro, o Governo tem de reconhecer que o SNS está em crise e
requer uma ação urgente e sem paralelo. Em segundo lugar, deve transmitir uma
mensagem de valor aos profissionais do SNS, sob a forma de compromissos
relativamente a um acordo financeiro para pagamentos e compromissos
não-financeiros, tais como abordar questões relativas a reformas de pensões,
melhorar as condições básicas de trabalho e apresentar propostas concretizáveis
sobre políticas de pessoal. Por sua vez, o SNS tem de aceitar que, seja qual
for a causa, tem um problema de cultura. Racismo, sexismo, intimidação, assédio
e conflito estão disseminados. Uma cultura de trabalho tóxica é a razão mais
frequentemente citada para abandonar o SNS e tem um impacto negativo nos
cuidados aos doentes.
A longo
prazo, o investimento na saúde pública e na prevenção deve ser
aumentado como a principal forma de reduzir a procura no SNS. O Governo deve
afastar-se das injeções de dinheiro a curto prazo e utilizar fundos
provenientes dos impostos para proporcionar aumentos sustentados e previsíveis
no financiamento. Desta forma, a capacidade e a resiliência podem ser
incorporadas de novo no sistema a partir do zero, com investimento em pessoal,
edificado e tecnologias. O SNS deve melhorar no rápido desenvolvimento e
disseminação da inovação, e a adoção de novos modelos de trabalho não deve ser
bloqueada pelas opiniões tradicionais sobre papéis e responsabilidades.
Qualquer coisa é melhor do que o atual modelo de assistência social, que
monetariza a vulnerabilidade, enriquece alguns prestadores e deixa mais de um
quarto dos profissionais de serviço social a viver na pobreza.
Os cuidados negligentes do SNS puseram o serviço de
rastos. Mas ao contrário da narrativa popular, há vitórias rápidas. Assim, não
pouco importante, é preciso valorizar e motivar quem trabalha no SNS, quem é
responsável pela proteção da saúde da nação durante esta crise económica sem
precedentes que está a agravar as desigualdades e a levar milhares de pessoas à
pobreza e à precariedade. n
Tradução para português de Rosalvo de Almeida
TheLancet Editorial Vol 401 January 28,2023, p. 245
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