domingo, 5 de março de 2017

"SYNDEMIC" - MAIS QUE UMA NOVA PALAVRA - A SAÚDE NO SEU CONTEXTO

No início dos anos 90, Merrill Singer, investigador e professor de antropologia médica e saúde pública na Universidade de Connecticut, introduziu o termo “syndemic” para referir-se ao conjunto de problemas de saúde e sociais, que se influenciavam uns aos outros entre as populações pobres dos centros urbanoss, afetadas pelo HIV/SIDA, a violência e o abuso de substâncias (SAVA), definindo-o como: «… we have urged the use of the term “syndemic” to call attention to the synergistic nature of the health and social problems facing the poor and underserved» ou «we have introduced the term “syndemic” to refer to the set of synergistic or intertwined and muttualy enhancing health and social problems faning the urban poor. Violence, substance abuse, AIDS, in this sense, are not concurrent in that are not completely separable phenomena» (aqui).
Syndemic - Lancet Serie 
Ao longo dos anos o modelo “syndemic” foi-se desenvolvendo, tendo a perspetiva “syndemic” sido utilizada pelo CDC dos Estados Unidos (Centers for Disease Control and Prevention) na abordagem dos principais problemas de saúde pública, tanto ao nível dos programas públicos como da formação dos profissionais de saúde através da “Syndemics Prevention Network” criada para o efeito.
Tudo isto vem a propósito da publicação pela Revista Lancet de 04 de março, de uma “Serie” dedicada ao modelo e à abordagem “Syndemic” (aqui), explicando os importantes contrastes entre as abordagens convencionais baseadas no conceito da multimorbilidade e a abordagem “syndemic” e explorando a forma como o modelo “syndemic” pode ser utilizado para combater as desigualdades em saúde e permitir aos clínicos a prática de uma medicina ancorada na compreensão do contexto social e da interação deste com as doenças ou problemas de saúde, indo para além da comorbilidade ou da multimorbilidade.
No conjunto de artigos agora publicados na “Syndemic Serie” podemos perceber o conceito, a abordagem e o léxico do modelo “syndemic” em particular nos artigos "Syndemics and the biosocial conception of health" e "Non-communicable disease syndemics: poverty, depression, and diabetes among low-income populations"
Como vimos anteriormente o primeiro conceito “syndemic” identificado, e estudado, foi o SAVA, acrónimo em língua inglesa para ocorrência de “ abuso de substâncias, violência e SIDA” em comunidades pobres e desfavorecidas das zonas urbanas, com o tempo foi possível perceber que o conceito “syndemic” não se limitava às doenças infeciosas mas se alargava às doenças crónicas, ocorrendo por exemplo quando existem interações entre a diabetes, a obesidade, problemas de saúde mental, a pobreza, a migração, a discriminação, a exposição crónica ou aguda a traumas, incluindo a violência e as condições socioeconómicas de privação.
Considerando os autores como critérios para “Syndemic”, palavra não existente nos dicionários de língua portuguesa mas frequentemente usada na literatura científica em português do Brasil como “sindemia” (aqui):
1.      Duas (ou mais) doenças ou condições de saúde que se agrupam numa população específica;
2.      Fatores sociais ou contextuais criando condições para agrupar duas (ou mais doenças) ou condições de saúde;
3.      Do agrupamento de doenças resultem interações adversas de doenças ou condições de saúde, tanto a nível biológico, social ou comportamental, aumentando a carga de doença das populações afetadas.
Syndemics and the biosocial conception of health
A abordagem “sindémica” ao reconhecer como esses fatores interagem mutuamente promovendo resultados adversos para a saúde, permite ir muito mas além dos conceitos de multimorbilidade ou de doença específica, quando é necessário explicar como é que as condições económicas e sociais promovem e exacerbam este “cluster” de doenças, “Syndemics provide a tool for empirically evaluating how health statuses of multi-morbidity arise in a population, and what health interventions might be most effective for mitigating them.”
Non-communicable disease syndemics: poverty, depression, and diabetes among low-income populations

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