Às 2.20 da
madrugada do dia 15 de abril de 1912, o inafundável, RMS Titanic mergulhava no
Atlântico Norte arrastando para a morte perto de 1500 pessoas. Em apenas 3
horas o RMS Titanic, o estado da arte da tecnologia da época, um gigante de 269
metros de comprimento, com cerca de 52.310 toneladas, equipado com um sistema
de compartimentos estanques afundava-se no oceano antes que o navio de resgate
SS Carpathia pudesse alcança-lo. No RMS Titanic, seguiam 1316 passageiros,
distribuídos pela 1.ª classe (325), 2.ª classe (285) e 3.ª classe (706) e cerca
de 900 tripulantes. No naufrágio faleceram cerca de 2/3 do total de pessoas
embarcadas, 76% (673) dos elementos da tripulação, 76% dos passageiros da 3.ª
classe, mas apenas 39% dos passageiros da 1.ª classe.(aqui)(aqui)
14 Junho de
2017, às 00.54 horas, no norte de Kensington, periferia de uma das áreas mais
ricas da cidade de Londres (Kensington and Chelsea), deflagra um incêndio numa
torre de apartamentos de habitação social, com 24 andares, construída em 1974,
causando a morte confirmada de pelo menos 80 pessoas,120 de acordo com o grupo
de moradores Grenfell United.(aqui)
Situada
numa das periferias mais pobres de Inglaterra, a Grenfell Tower, alojava
residentes de baixos rendimentos e imigrantes vindos do Sudão, da Eritreia ou
da Síria. Em 2013 tinha sofrido um processo de remodelação conduzido pelas
autoridades locais (Kensington and Chelsea Tenant Management Organization), que
decorreu até 2015. Remodelação fortemente contestada pelos moradores, (Grenfell
Action Group) que denunciarem as falhas de segurança da operação de
remodelação, chamando a atenção para a colocação exterior de canos de gás, para
a ausência de um sistema de dispersores de água contra incêndios (sprinklers) e
para o revestimento exterior da torre. (aqui)(aqui)
Agora como por
ocasião do furacão Katrina em Nova Orleans, as perguntas começaram a surgir
desde o início da tragédia: Podia ter sido previsto? Porque é que as vítimas se
concentram entre os mais pobres e os mais desfavorecidos? Porque é que os
avisos dos moradores foram ignorados? Quem foi responsável pelos cortes nos
orçamentos? E à medida que as horas passavam, novas perguntas surgiam: Como
podiam os responsáveis políticos ser tão insensíveis perante o sofrimento?
Porque tantas advertências foram ignoradas? (aqui) (aqui)
À medida
que se conheciam os contornos da tragédia, se conheciam as respostas das
autoridades, e se confirmavam as denúncias dos moradores, iniciava-se um debate
acerca das responsabilidades do desastre, trazendo à superfície os
determinantes políticos do problema. (aqui)
Em Londres,
tal como em Nova Orleans onde a maioria dos que não puderam escapar eram pobres
e migrantes que viviam em comunidades historicamente desfavorecidas. A maioria
eram afro-americanos que não tiveram condições nem acesso a transporte que os
evacuasse.
Perante
estas circunstâncias, anteriormente descritas, qual deve ser o papel dos
profissionais de saúde e em particular dos que se dedicam à saúde pública,
devem remeter-se apenas à ajuda das vítimas, ficar ausentes do debate dos
determinantes políticos da catástrofe, ou devem erguer as suas vozes para exigir
dos poderes, dos que estabelecem a agenda da comunicação, o ataque das causas
das causas, os determinantes políticos da saúde.(aqui)
Devem seguir
o exemplo do British Medical Journal, que no seu editorial de 20 de junho,
desafiava os profissionais de saúde a tomarem partido. “In response, public health professionals must make the invisible
visible. They must emulate those who asked why 76% of third class passengers on
the Titanic perished but only 39% of those in first class, those who showed
that inequality is “killing people on a grand scale”, and those who measured
then exposed the human cost of austerity. They must also make visible the often
hidden corporate determinants of health, such as the tactics used by tobacco,
food, and alcohol industries in subverting healthy public policies.” (aqui)
Devem
inspirar-se no exemplo de Rudolf Virchow, quando em 1848, perante a necessidade
de encontrar as causas para uma epidemia de tifo na Alta Silésia, descobriu que
as verdadeiras causas para a epidemia de tifo eram as condições miseráveis em
que a população polaca vivia, concluindo que “as causas eram sociais, políticas
e económicas mais do que biológicas e físicas”, que a epidemia devia ser vista,
como uma manifestação do desajustamento social e cultural, “Se a doença é uma
expressão de vida individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser
indicativa de distúrbios em maior escala na vida das pessoas“. Para Virchow “a
medicina é uma ciência social e a política nada mais é que a medicina em grande
escala”. (aqui)