sexta-feira, 30 de junho de 2017

GRENFELL TOWER - DAR VOZ AOS QUE NÃO TEM VOZ - OS DETERMINANTES POLITICOS DA SAÚDE

Às 2.20 da madrugada do dia 15 de abril de 1912, o inafundável, RMS Titanic mergulhava no Atlântico Norte arrastando para a morte perto de 1500 pessoas. Em apenas 3 horas o RMS Titanic, o estado da arte da tecnologia da época, um gigante de 269 metros de comprimento, com cerca de 52.310 toneladas, equipado com um sistema de compartimentos estanques afundava-se no oceano antes que o navio de resgate SS Carpathia pudesse alcança-lo. No RMS Titanic, seguiam 1316 passageiros, distribuídos pela 1.ª classe (325), 2.ª classe (285) e 3.ª classe (706) e cerca de 900 tripulantes. No naufrágio faleceram cerca de 2/3 do total de pessoas embarcadas, 76% (673) dos elementos da tripulação, 76% dos passageiros da 3.ª classe, mas apenas 39% dos passageiros da 1.ª classe.(aqui)(aqui)

14 Junho de 2017, às 00.54 horas, no norte de Kensington, periferia de uma das áreas mais ricas da cidade de Londres (Kensington and Chelsea), deflagra um incêndio numa torre de apartamentos de habitação social, com 24 andares, construída em 1974, causando a morte confirmada de pelo menos 80 pessoas,120 de acordo com o grupo de moradores Grenfell United.(aqui)

Situada numa das periferias mais pobres de Inglaterra, a Grenfell Tower, alojava residentes de baixos rendimentos e imigrantes vindos do Sudão, da Eritreia ou da Síria. Em 2013 tinha sofrido um processo de remodelação conduzido pelas autoridades locais (Kensington and Chelsea Tenant Management Organization), que decorreu até 2015. Remodelação fortemente contestada pelos moradores, (Grenfell Action Group) que denunciarem as falhas de segurança da operação de remodelação, chamando a atenção para a colocação exterior de canos de gás, para a ausência de um sistema de dispersores de água contra incêndios (sprinklers) e para o revestimento exterior da torre. (aqui)(aqui)

Agora como por ocasião do furacão Katrina em Nova Orleans, as perguntas começaram a surgir desde o início da tragédia: Podia ter sido previsto? Porque é que as vítimas se concentram entre os mais pobres e os mais desfavorecidos? Porque é que os avisos dos moradores foram ignorados? Quem foi responsável pelos cortes nos orçamentos? E à medida que as horas passavam, novas perguntas surgiam: Como podiam os responsáveis políticos ser tão insensíveis perante o sofrimento? Porque tantas advertências foram ignoradas? (aqui) (aqui)

À medida que se conheciam os contornos da tragédia, se conheciam as respostas das autoridades, e se confirmavam as denúncias dos moradores, iniciava-se um debate acerca das responsabilidades do desastre, trazendo à superfície os determinantes políticos do problema. (aqui)

Em Londres, tal como em Nova Orleans onde a maioria dos que não puderam escapar eram pobres e migrantes que viviam em comunidades historicamente desfavorecidas. A maioria eram afro-americanos que não tiveram condições nem acesso a transporte que os evacuasse.
Perante estas circunstâncias, anteriormente descritas, qual deve ser o papel dos profissionais de saúde e em particular dos que se dedicam à saúde pública, devem remeter-se apenas à ajuda das vítimas, ficar ausentes do debate dos determinantes políticos da catástrofe, ou devem erguer as suas vozes para exigir dos poderes, dos que estabelecem a agenda da comunicação, o ataque das causas das causas, os determinantes políticos da saúde.(aqui)


Devem seguir o exemplo do British Medical Journal, que no seu editorial de 20 de junho, desafiava os profissionais de saúde a tomarem partido. “In response, public health professionals must make the invisible visible. They must emulate those who asked why 76% of third class passengers on the Titanic perished but only 39% of those in first class, those who showed that inequality is “killing people on a grand scale”, and those who measured then exposed the human cost of austerity. They must also make visible the often hidden corporate determinants of health, such as the tactics used by tobacco, food, and alcohol industries in subverting healthy public policies.” (aqui)

Devem inspirar-se no exemplo de Rudolf Virchow, quando em 1848, perante a necessidade de encontrar as causas para uma epidemia de tifo na Alta Silésia, descobriu que as verdadeiras causas para a epidemia de tifo eram as condições miseráveis em que a população polaca vivia, concluindo que “as causas eram sociais, políticas e económicas mais do que biológicas e físicas”, que a epidemia devia ser vista, como uma manifestação do desajustamento social e cultural, “Se a doença é uma expressão de vida individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser indicativa de distúrbios em maior escala na vida das pessoas“. Para Virchow “a medicina é uma ciência social e a política nada mais é que a medicina em grande escala”. (aqui)

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