“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”
Ensaio sobre a Cegueira – José Saramago
Em Outubro
de 2016, Portugal superou os 10 milhões de hóspedes estrangeiros, tendo as
receitas turísticas chegado aos 11 mil milhões de euros, representando um
crescimento de 10,3%, face ao registado em 2015 (aqui)(aqui) (aqui), tendo criado mais de 45.000
postos de trabalho até ao final do 3.º trimestre deste ano nos setores da
Restauração e Bebidas e do Alojamento (aqui). Um resultado histórico que provavelmente
confirmará o anúncio feito em setembro de 2016 pelo Ministro da Economia de que
Portugal teria em 2016 “o melhor ano turístico de sempre”.(aqui)
Apesar dos
resultados apresentados muitas trabalhadoras e trabalhadores do setor hoteleiro
sofrem a precariedade laboral. Num setor que empregava em 2015 cerca de 57.000
trabalhadores, dos quais 54.000 a tempo completo, cerca de 31% dos que aí trabalham
têm vínculos precários ou contratos a termo certo (aqui). De acordo com os dados do Sindicato
dos Trabalhadores na Industria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares
do Sul nas unidades hoteleiras, encontra-se uma elevada percentagem de
trabalhadores “não efetivos” ou seja, trabalhadores com contratos a termo,
temporários, estagiários e em outras formas de contratação precária. “ No total
dos empreendimentos turísticos em 2012, o trabalho precário, aproxima-se dos
30%, sendo mais acentuado nos hotéis de 5 estrelas onde essa percentagem atinge
os 40% dos trabalhadores.”(aqui)
Num setor
em que a grande maioria destes trabalhadores, são invisíveis, o trabalho das
empregadas de andares é ainda mais invisível. Mas não se pense que este um
problema laboral exclusivamente português, ele atinge a grande maioria dos
países da União Europeia a 28, e em particular as principais regiões turísticas
como Espanha, onde esta situação tem sido motivo de investigação e de denúncias
quer por parte das organizações sindicais, quer por parte dos coletivos de
empregadas de andar, conhecidas em Espanha como Kellys “ las que limpian”.(aqui)(aqui)
Num
trabalho recente de Ernest Cañada, publicado em livro na editorial Icaria “Las
que limpian los hoteles“ (aqui), o investigador parte do testemunho de 26 empregadas
de quarto (aqui)para pôr a nu a precarização dos contratos, o aumento da carga de
trabalho, a desprofissionalização do trabalho e os problemas de saúde a que
estão sujeitas. Apesar da dureza e da invisibilidade do trabalho, este trabalho
foi executado durante muito tempo por trabalhadoras qualificadas, contratadas a
tempo completo e apoiadas nas suas tarefas por outro pessoal (carregadores e
pessoal de armazém), mas com o despoletar da crise de 2008, cresceu a
externalização, a desqualificação profissional, o aumento às vezes subtil da carga
de trabalho com a eliminação sucessiva da figura de carregadores/pessoal de armazém,
aumentando o número de habitações a cargo, a supervisão dos estagiários e das trabalhadoras
contratadas através das empresas fornecedoras de trabalho temporário. À medida
que aumenta a externalização, cresce a instabilidade profissional, não se
estabelece nem vínculo com a profissão nem com o local de trabalho, generaliza-se
o medo com a perda do posto de trabalho, e criam-se condições para uma diminuição
da organização sindical e a aceitação de baixos salários.
No que se
refere à saúde, aos comuns problemas músculo-esqueléticos (lombalgias, síndromes
canais cárpicos, tendinites), somam-se os problemas de saúde físicos e mentais,
determinados pela ansiedade, pelo stress, pelo baixo controlo do trabalho, insegurança
no trabalho, gerando comportamentos não saudáveis. (aqui)
Neste final
de ano em que muitos, optam por umas pequenas férias ou por uma festa de fim de
ano numa qualquer unidade hoteleira, lembre-se que NÃO PODE HAVER TURISMO DE QUALIDADE
SEM EMPREGO DECENTE.
no
Médio Oriente, que já vivem em condições limite
A UNICEF
debate-se com um défice de financiamento de 38 milhões de dólares para fornecer
artigos de Inverno e apoio em dinheiro, o que pode deixar mais de um milhão de
crianças sem proteção contra o frio.
As
tempestades, o frio intenso e a neve só podem piorar as condições de vida das
famílias afetadas pelo conflito na Síria e no Iraque, que já estão no limite.
Muitas estão deslocadas devido à violência e vivem agora em campos ou abrigos
improvisados com muito pouca proteção.
As famílias
estão exaustas de anos de conflito, deslocações e desemprego, que esgotaram os
seus recursos financeiros, pelo que a compra de roupa quente e combustível para
aquecimento é totalmente impossível.
Neste
Inverno, a UNICEF quer chegar a 2.5 milhões de crianças no interior da Síria, e
também nos países vizinhos: Iraque, Jordânia, Líbano, Turquia e Egipto, com
roupas quentes, cobertores térmicos e apoio financeiro, pois muitas delas
fugiram da guerra com a roupa que tinham no corpo.
A resposta
de Inverno para além de fazer chegar às crianças vulneráveis e suas famílias
agasalhos, uniformes escolares, aquecimento escolar e apoio em dinheiro permite
também apoiar os programas de saúde, nutrição, água e saneamento, protecção e
educação que estão a ser levados a cabo pela UNICEF na região.
A
distribuição de kits de Inverno – incluindo roupas, cachecóis, luvas, sapatos e
cobertores, bem como pacotes de assistência em dinheiro estão já em curso:
Na Síria,
foram distribuídos kits de Inverno a perto 50.000 crianças, incluindo em
abrigos que acolhem crianças de Alepo Oriental.
No Líbano o
aquecimento escolar abrange já 95.000 crianças.
Mais de
50.000 crianças na Jordânia receberam apoio financeiro para o Inverno.
No Iraque,
38.000 crianças e 400 mulheres grávidas ou mães que estão a amamentar receberam
roupas de Inverno.
Mas este
apoio não chega para as necessidades. A UNICEF recebeu apenas pouco mais de
metade do financiamento que precisa (82 milhões de dólares) para ajudar a
proteger contra o frio intenso as crianças na região – incluindo em zonas sob
cerco e de difícil acesso. Sem financiamento adicional, a UNICEF não poderá
fornecer mais agasalhos e prestar serviços vitais, o que significa que mais de
um milhão de crianças ficarão desprotegidas.
A Amazon tem
sido acusada nos últimos anos dias de criar "condições de trabalho
intoleráveis" depois de denúncias do “ The Courier” e do “Sunday Times”.
De acordo com as denúncias do “The Courier”, os trabalhadores veem-se obrigados
a acampar nas imediações do armazém da Amazon em Dunfermline, na Escócia, para
reduzirem as suas despesas com transporte, face aos baixos salários recebidos,
enquanto, que o Sunday Times descobriu que os trabalhadores da Amazon para
além de terem de andar mais de 16 km a pé durante um dia de trabalho, deparam-se frequentemente com dispensadores de água vazios, e são fortemente penalizados
nos seus objetivos por faltar ao trabalho por motivos de doença.
A Amazon,
liderada por Jeff Bezos, considerado pela Forbes, o 4.º homem mais rico do
mundo, e o 17.º mais influentetem sido criticada por criar condições de
trabalho que pouco diferem daquelas a que era submetido o “vagabundo”,
personagem dos Tempos Modernos de Chaplin, tentando sobreviver num mundo
industrializado, e anteriormente descritas no post “SABE O QUE É UM "PICKER", JÁ OUVIU FALAR DE RAMAZZINI - O TRABALHO COMO DETERMINANTE DE SAÚDE”
Comemora-se à manhã dia 12.12.2016 o Universal Health Coverage Day, 2016, assinalando o dia 12 de Dezembro de 2012, data em que as Nações Unidas aprovaram por unanimidade uma resolução pedindo que todos os países forneçam cuidados de saúde acessíveis e de qualidade a todas as pessoas e em todos os lugares (aqui).
Comemorado pela primeira vez em 2014 e incluido em 2015 na "Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável", ganhou mais visibilidade mundial através da publicação na revista Lancet na sua edição de 21 de de Novembro de 2015 do manifesto “ECONOMISTS’ DECLARATION ON UNIVERSAL HEALTH COVERAGE” subscrito por 267 economistas de 44 países, apelando aos responsáveis políticos de todo o mundo para colocarem como primeira prioridade, a cobertura universal de saúde para todos os cidadãos. Afirmando que assegurar serviços de saúde essenciais e de qualidade a todos, sem barreiras financeiras, é a decisão certa, inteligente e acessível, “that ensuring everyone can obtain high quality essential health services without suffering financial hardship is right, smart and affordable”.(aqui)
De acordo com as Nações Unidas, o Cobertura Universal de Saúde, significa:
Universal Health Coverage (UHC) means everyone can access the quality health services they need without financial hardship.
WHO: All people, including the poorest and most vulnerable.
WHAT: Full range of essential health services, including prevention, treatment, hospital care and pain control.
HOW: Costs shared among entire population through pre- payment and risk-pooling, rather than shouldered by the sick. Access should be based on need and unrelated to ability to pay.
UHC is a means to promote the human right to health.
Neste ano de 2016, quatro instituições portuguesas, a Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Algarve e as associações "Saúde em Português" e APDP decidiram associar-se à organização deste dia, juntando-se às mais prestigiadas instituições mundiais (aqui)
De acordo
com os dados hoje publicados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
“Mortality in the United States, 2015” (aqui), a esperança de vida nos EUA diminuiu
pela primeira vez em mais de 20 anos. Os dados agora publicados mostram uma
diminuição de 36.5 dias na esperança de vida entre 2015 e 2014, isto é, uma
diminuição da esperança de vida à nascença de 78.9 em 2014 para 78.8 em 2015.
Mortality in the United States, 2015 CDC
A principal
razão para este decréscimo é que oito das 10 principais causas de morte (as
mesmas que em 2014) se agravaram em 2015. Apenas a mortalidade por cancro
diminuiu mantendo-se inalterada mortalidade por gripe e pneumonia.
“From 2014
to 2015, age-adjusted death rates increased for 8 of 10 leading causes of death
and decreased for 1. The rate increased 0.9% for heart disease, 2.7% for
chronic lower respiratory diseases, 6.7% for unintentional injuries, 3.0% for
stroke, 15.7% for Alzheimer’s disease, 1.9% for diabetes, 1.5% for kidney
disease, and 2.3% for suicide. The rate decreased by 1.7% for cancer. The rate for
influenza and pneumonia did not change significantly.”
Mortality in the United States, 2015 CDC
Apesar da
prudência com que estes números têm se ser encarados por se referirem apenas a
1 ano, confirmam os resultados do estudo publicado em 2015, por Anne Case1 e
Angus Deaton “ Rising morbidity and mortality in midlife among white
non-Hispanic Americans in the 21st century” (aqui), uma vez que o relatório agora
apresentado também mostra o crescimento da mortalidade entre os americanos brancos
(homens e mulheres) a par com a dos homens negros.
Mortality in the United States, 2015 CDC
Em 2015 Anne
Case1 e Angus Deaton, tinham mostrado que a taxa de mortalidade entre os
brancos americanos dos 45 aos 54 anos, com baixa escolaridade, “White Working
Class” tinha aumentado entre 1999 e 2014, uma situação sem paralelo nos países
de economia avançada e apenas registada nos EUA a quando da epidemia de
VIH/SIDA.
Rising morbidity and mortality in midlife among white non-Hispanic Americans in the 21st century
Os dados apresentados e discutidos no referido artigo, mostravam que
a taxa de mortalidade dos brancos de meia-idade tinha aumentado desde 1998 nos
problemas de saúde relacionados com o consumo de drogas e álcool, com o suicídio,
com a doença hepática crónica e a cirrose, especialmente entre os brancos com um
baixo grau de escolaridade (ensino médio ou inferior) onde as mortes causadas
por “drug and alcohol poisoning” tinham aumentado quatro vezes, as causadas por
suicídio 81% e as causadas por “liver disease and cirrhosis” 50%. A mortalidade
por todas as causas tinham aumentado 22% para este grupo.
Os autores
apontavam como principais causas para esta situação, a privação económica e o
stress financeiro da “ white working class” , provocado pela estagnação
salarial verificada desde a década de 70, conjuntamente com a dificuldade lidar
com a insegurança e a falta de proteção social na reforma “ the changing nature of the financial risk Americans face when saving for retirement as well as therecent financial crisis, economic insecurity may weigh heavily on U.S. workers,and take a toll on their health and health-related behaviors”. O aumento
mortalidade coincide com uma depreciação do estado de saúde, quando auto relatado,
na saúde em geral, na saúde mental e na capacidade de lidar com os problemas da
vida e ao aumento do consumo de medicamentos para a dor “For middle-aged
Americans, increasing mortality ran alongside increasing reports of pain. One in three white middle-aged Americans reported
chronic joint pain, taking the years 2011, 2012 and 2013 together, and one in
seven reported sciatica. All types of pain increased significantly from 1997 to
2013. “The strongest morbidity effects are seen among those with the least
education,”
Os dados
agora apresentados pelo CDC mostram que o aumento da mortalidade em 2015 se
deveu “ largely because of increases in mortality from heart disease, chronic
lower respiratory diseases, unintentional injuries, stroke, Alzheimer’s
disease, diabetes, kidney disease, and suicide” e apontam para o estudo da
causa das causas e para o estudo dos determinantes sociais da saúde.
A
Declaração de Curitiba (aqui), integra o espírito de compromisso e apela a ação local
e global em favor da democracia, da equidade, da justiça e da garantia de
direitos sociais e de saúde para todos, em um mundo inclusivo e sustentável.
Esta
Declaração representa a voz de pesquisadores, profissionais, membros de
movimentos sociais e formuladores de políticas, que participaram da 22ª
Conferência Mundial de Promoção da Saúde da UIPES, realizada em Curitiba, em
maio de 2016. A Declaração de Curitiba articula as recomendações dos
participantes da Conferência em relação a como podemos melhorar a vida dos
indivíduos ao fortalecer a promoção da saúde e aumentar a equidade onde vivemos
e trabalhamos, em nossas cidades e países.
Queremos
ressaltar que, há pelo menos três décadas, já se reconhece a equidade como um
pré-requisito para saúde e um objetivo importante de promoção da saúde. A iniquidade
deve ser considerada um objetivo não sustentável. Como o processo de criação
das Metas de Desenvolvimento Sustentável já está encerrado, não é possível
acrescentar a conquista de saúde e equidade como um objetivo em separado.
Os
participantes da 22ª Conferência Mundial de Promoção da Saúde da UIPES clamam a
si mesmos e à sociedade internacional pela busca de uma agenda comum, além de
laços solidários que unam forças para defender a prioridade da democracia e dos
direitos humanos, condições essenciais para a promoção da saúde e da equidade.
Neste
sentido:
1.Austeridade causa iniquidade. O direito à saúde não
deve ser tratado como uma mercadoria.
2.Devemos reconhecer o meio ambiente ameaçador e
hostil em que vivemos, e as práticas predatórias de algumas corporações. Um
sistema social movido por acúmulo de capitais e extrema concentração de
riquezas é inconsistente com alcance de metas de equidade.
3.Os governos devem implementar e cobrar impostos de
renda progressivos para abordar saúde e equidade.
4.Os governos devemusar estratégias inovadoras, que
fortaleçam e protejam o direito universal à saúde e o bem-estar dos cidadãos do
mundo, durante os períodos de crises financeiras.
5.O mundo clama por novos processos de participação
social e inclusão efetivas.
6.Os atores sociais são convidados a se engajarem em
uma reflexão crítica sobre seu papel como participantes ativos, no exercício da
cidadania.
7.A promoção da saúde sofre influência direta e
indireta da política e ideologias.
8.As estratégias da promoção da saúde demandam várias
intervenções emancipatórias.
9.O nível local tem um grande potencial transformador,
portanto é imperativo mobilizar e pressionar as autoridades locais para incluir
a saúde e equidade em sua agenda.
10.As evidências de pesquisas deveriam ser utilizadas
como um instrumento para mudança social positiva. Precisamos de ciência que
tenha compaixão e abordagem intercultural.
11.As instituições devem reconhecer sua influência na
mudança e eliminação de todas as formas de discriminação e exclusão.
12.A promoção da saúde desempenha um papel fundamental
na geração de condições e ambientes que desenvolvam capacidades.
13.A promoção da saúde deve reconhecer o potencial e a
capacidade dos indivíduos durante todo o ciclo de vida
14.Promover o uso mais transparente e melhor da
política e do poder é um imperativo ético.
15.Os promotores da saúde devem trabalhar para garantir
a apropriação dos projetos com as pessoas com quem trabalham.
16.É necessário compreender melhor as ameaças e causas
que afetam as chamadas populações vulneráveis.
17.É importante que o setor saúde esteja pronto para
aprender, e não simplesmente ensinar os outros setores.
18.A promoção da saúde não é viável sem estes quatro
princípios básicos: equidade, direitos humanos, paz e participação.
A
Organização Pan-Americana da Saúde instituiu no passado mês de Maio uma
comissão para o estudo da equidade e das desigualdades em saúde das Américas. (aqui)
A comissão
estudará a forma como estes fatores influenciam a saúde das populações americanas
e fará recomendações concretas para reduzir as desigualdades em saúde e
promover maior equidade em saúde, ajudando os países americanos a atingirem os
Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável.
Ignorar as
condições sociais de um doente pode ser um erro inadmissível, considerando que
o seu prognóstico, se não mesmo as suas próprias etiologias, e as opções
terapêuticas podem ser fortemente influenciadas por ele. Curar clinicamente um
doente, ou estabilizá-lo e enviá-lo de novo para o seu ambiente deve ter como
pano de fundo as palavras de Leonard Slyme, recordadas por Michael Marmot, “Just because you’re a doctor, doesn’t mean
you understand the causes of ill health. You understand something about biology and medical conditions but you’ve
got to learn something about society if you really want to understand the
causes of ill health.” (aqui)
O VIH-SIDA
é um reflexo claro disso. Apesar do mundo ter sido capaz de deter a epidemia e
reverter a propagação da epidemia, conseguindo que as novas infeções pelo VIH e
as mortes por SIDA tenham diminuído muito desde o ponto mais elevado da
epidemia, em Junho de 2016 viviam 36,7 milhões com VIH, das quais apenas 18,2
milhões (mais 3 milhões do que em 2014) tinham acesso a medicamentos capazes de
salvar as suas vidas. Apesar dos progressos realizados o último relatório da
UNAIDS, chama à atenção para a situação na África subsariana onde as mulheres
enfrentam uma triple ameaça, uma vez que para além de correrem risco elevado de
infeção, têm baixas taxas de deteção do vírus e uma pobre adesão ao tratamento. (aqui)
Também nos
países de renda média e alta o VIH continua a afetar os mais desfavorecidos, os
toxicodepentes, os presos, os desempregados e os migrantes. Os novos
tratamentos travarão a transmissão do VIH e salvarão vidas, mas devolverão as
pessoas ao seu ambiente social, e não serão por si sinónimo de melhoria das
suas vidas. Devolvidos à rua, ou aos bairros degradados, com baixa escolaridade,
sem trabalho, sem apoio familiar e social, sem dentes, acumulando doenças
respiratórias, hepatite C, ou problemas de saúde mental, facilmente recairão. (aqui)(aqui)
A
epidemia pode desaparecer mas as pessoas continuarão a ficar prisoneiras no
ciclo de saúde-doença se não trabalharmos na causa das causas, os determinantes
sociais da saúde.
Como escreveu Virchow (citado por Geoffrey Rose) “Epidemics
appear, and often disappear without traces, when a new culture period has
started; thus with leprosy, and the English sweat. The history of epidemics is
therefore the history of disturbances of human culture”.(aqui)
A Amnistia Internacional publicou no dia 30 de
novembro o relatório “THE GREAT PALM OIL SCANDAL: LABOUR ABUSES BEHIND BIG BRAND NAMES”. Este documento aborda o trabalho nas plantações de dendenzeiros
ou palmeiras de dendê, que fornecem óleo para a Wilmar, o maior produtor mundial
de óleo de palma e de ácido dodecanóico ou ácido láurico e principal fornecedor
de empresas como: a Colgate-Palmolive, a Unilever, a Nestlé, a Proctor &
Gamble, a Kellogg’s, a Reckitt Benckiser, a AFAMSA, Archer Daniels Midland
Company (ADM)e a Elevance.
Para além
da sua utilização como óleo de cozinha, o óleo de palma, e alguns dos seus
componentes, é empregue em cerca de 50% dos produtos de consumo, desde produtos
alimentares como o pão embalado, os cereais, a margarina, os gelados, ou os
biscoitos, aos produtos de limpeza e cosmética, como os detergentes, os
champôs, os sabonetes, os batons e aos biocombustíveis para os automóveis e para as
fábricas, tendo a sua produção dobrado nos últimos 10 anos. A procura mundial
tem vindo a crescer rapidamente, passando de 15 milhões de toneladas em 1990
para 61 milhões em 2015, tendo como principais importadores a Índia, a União
Europeia e a China, que combinados representam 1/3 do total (20 milhões em
2016).
Produzido
principalmente na Indonésia, onde atinge cerca de 35 milhões de toneladas/ano,
45% da produção anual, emprega cerca de 3 milhões de indonésios, muitos deles
migrantes internos, representando cerca de 1/3 da mão-de-obra mundial em todo o
sector desde as plantações da palmeira até à refinação do óleo.
Produzidas
em extensas plantações, as palmeiras do óleo podem crescer até 20 metros de
altura, tendo uma vida média de 25 anos. As árvores começam a dar os primeiros
cachos de frutos frescos por volta dos três anos, atingindo o pico de produção
entre o 6.º e o 10.º ano de produção. Os cachos que podem pesar entre 10 a 20
Kg têm de ser transportados num prazo de 24 horas até aos lagares de extração,
sendo posteriormente transportado para as refinarias da Wilmar onde é
posteriormente processado. O trabalho de colheita dos frutos de palma é
extremamente exigente do ponto de vista físico, uma vez que é totalmente
manual. Os trabalhadores tem que cortar os cachos de cerca 12 kg/média a 20
metros de altura (com uma longa haste com uma foice no final, Egrek) e transportá-los em carros de mão para os pontos de recolha.
De acordo
com a investigação da Amnistia Internacional, em muitas plantações que fornecem
a Wilmar, os trabalhadores são submetidos a trabalho forçado, expostos à
utilização de produtos químicos tóxicos e a baixos salários (2.5 dólares/dia).
As mulheres são discriminadas, empregues como trabalhadoras ocasionais, sem
qualquer proteção social ou de saúde. Submetidos a duras condições de trabalho
e a tarefas fisicamente muito exigentes, os trabalhadores são pressionados a
trabalhar para além do seu horário, obrigados a cortar, transportar, pulverizar
e recolher grandes quantidades de frutos de palma para cumprir os objetivos,
sendo ainda penalizados se forem surpreendidos a apanhar os frutos de palma do
chão ou colherem os frutos verdes. Face aos elevados objetivos traçados pelas
empresas e ao trabalho esgotante a que são submetidos para conseguirem um
salário suficiente, muitos trabalhadores trazem as suas famílias para os
ajudarem. A maioria das crianças ajudam os seus pais à tarde, depois de saírem
da escola, nos fins-de-semana e nos feriados, carregando sacos de 12 a 25 kg,
expostos aos produtos químicos e a um ambiente perigoso.
De acordo
com o relatório apresentado pela Amnistia Internacional, 9 grandes empresas
mundiais, Colgate-Palmolive, a Unilever, a Nestlé, a Proctor & Gamble, a
Kellogg’s, a Reckitt Benckiser, a AFAMSA, Archer Daniels Midland Company (ADM)e
a Elevance, utilizam o óleo de palma produzido pela Wilmar com base no trabalho
forçado e no trabalho infantil, ao contrário do que sustentam publicamente sete
delas (exceção da Elevance e AFAMSA) que se apresentam como empresas que respeitam os
direitos humanos e utilizam “óleo de palma sustentável” produzido de acordo com
as regras internacionais estabelecidas pela Organização Internacional do
Trabalho.
Como diz a
Amnistia Internacional, os abusos descobertos nas atividades de produção do
óleo de palma pela Wilmar, não são incidentes isolados, mas fazem das práticas
de trabalho utilizados pela Wilmar.
Algo não está
bem quando nove multinacionais, que tiveram como receita conjunta de 325.000
milhões de dólares em 2015, não tomam medidas para abordar o trato desumano que
recebem os trabalhadores da produção de óleo de palma, submetidos a trabalho
forçado, a trabalho infantil, a baixos salários, sem respeito pelas leis do
trabalho da Indonésia e da OIT.
A Amnistia Internacional
afirma que fará campanha para pedir às empresas que digam aos seus clientes se
o óleo de palma que contêm os seus produtos mais populares como os gelados Magnum,
o dentífrico Colgate, os cosméticos Dove, o desodorizante AXE, a sopa Knorr, os
KitKat, o champô Panténe, o Ariel, o creme Clerasil, as Pringle e muitos outros
provém da Wilmar na Indonésia, que utiliza trabalho forçado e trabalho
infantil (aqui).