Quis o
acaso que na semana em que a revista Lancet publicava na edição de 21 outubro o
editorial “Decisions only she should make” dedicado ao direito das mulheres
decidirem sobre si próprias, e onde se descrevia o “ depressing context” criado
pelas manchetes da imprensa internacional “ From a teenager seeking safe
abortion in the USA, to the multiple actresses with sexual harassment
allegations against the film producer Harvey Weinstein”, e a crescente
preocupação com “ the rights of women and girls share the familiar sense of
objectification of female bodies by men in power and lost agency in sexual and
reproductive rights”, a imprensa portuguesa dava a conhecer um acórdão do
Tribunal de Relação do Porto (aqui)onde se decidia por manter as penas suspensas de dois
homens que haviam sido condenados num Tribunal de instância local num caso de
violência doméstica e perseguição a mulher, com a justificação de que a conduta
dos arguidos ocorrera num contexto de adultério.
Num mundo
em que 1 em cada 3 mulheres será vítima de violência por parte do seu parceiro,
1 em cada 4 mulheres casa-se durante a infância, 71% das vítimas de tráfico
humano são mulheres, 200 milhões de meninas e mulheres foram submetidas a
mutilação genital, 130 milhões de meninas não vão à escola, cerca de 60% dos jovens
entre os 15 – 24 anos que vivem com VIH são raparigas e mulheres, 214 milhões das
mulheres em idade reprodutiva dos países em desenvolvimento que não desejam engravidar
não tem acesso a um método anti conceptivo efetivo, e em que metade das cerca
de 25.5 milhões interrupções voluntárias de gravidez são inseguras, o acórdão
do Tribunal da Relação do Porto é mais um sinal a juntar a muitos outros de que
os direitos humanos em geral e o direito das mulheres a decidirem por si próprias,
são violentamente atacados mesmo entre as elites sociais. (aqui) (aqui)
O acórdão
de Outubro de 2017, em que os juízes justificam a sua decisão, citamos “ Ora o
adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades
existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia,
podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há
muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372 punia com uma
pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério,
nesse ato a matasse. Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o
adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena
fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as
adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem
traído, vexado e humilhado pela mulher. Foi a deslealdade e a imoralidade
sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse
estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o ato de agressão, como
bem se considerou na sentença recorrida” é bem o exemplo da violência sobre as
mulheres, estando a par dos exemplos denunciados no editorial da Lancet.
Mas como escreve o editorialista da Lancet “In this
rather depressing context, is there need for a more positive way to talk about
female bodily autonomy”. “ She Decides” é o exemplo de um novo movimento,
criado em janeiro de 2017 pela ministra holandesa do Comércio Externo e da Cooperação
para o Desenvolvimento, Lilianne Ploumen, para promover, prover, proteger e
fortalecer os direitos fundamentais de cada mulher (aqui), em resposta à aplicação pelo
Presidente Trump da Global Gag Rule, também conhecida pela Mexico City Policy (aqui), que
estipula que todas as organizações não-governamentais que recebem financiamento
federal devem abster-se de promover o aborto seguro ou informações sobre o
aborto em outros países.
“She Decides”
é um movimento global para promover, providenciar, proteger e melhorar os
direitos fundamentais de cada mulher.
Como disse
Robin Gorna à Lancet “ É fácil desesperar no contexto dos Trumps e Weinsteins
deste mundo” dos juízes do Tribunal de Relação do Porto, acrescentamos nós “mas
tenho uma profunda convicção de que, quando as coisas ficam tão más, levam a um
tempo de uma extraordinária mudança ".
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