terça-feira, 24 de outubro de 2017

O DIREITO DAS MULHERES A DECIDIREM POR SI MESMAS E O ACORDÃO DO TRIBUNAL DO PORTO

Quis o acaso que na semana em que a revista Lancet publicava na edição de 21 outubro o editorialDecisions only she should makededicado ao direito das mulheres decidirem sobre si próprias, e onde se descrevia o “ depressing context” criado pelas manchetes da imprensa internacionalFrom a teenager seeking safe abortion in the USA, to the multiple actresses with sexual harassment allegations against the film producer Harvey Weinstein”, e a crescente preocupação com “ the rights of women and girls share the familiar sense of objectification of female bodies by men in power and lost agency in sexual and reproductive rights”, a imprensa portuguesa dava a conhecer um acórdão do Tribunal de Relação do Porto (aqui)onde se decidia por manter as penas suspensas de dois homens que haviam sido condenados num Tribunal de instância local num caso de violência doméstica e perseguição a mulher, com a justificação de que a conduta dos arguidos ocorrera num contexto de adultério.
Num mundo em que 1 em cada 3 mulheres será vítima de violência por parte do seu parceiro, 1 em cada 4 mulheres casa-se durante a infância, 71% das vítimas de tráfico humano são mulheres, 200 milhões de meninas e mulheres foram submetidas a mutilação genital, 130 milhões de meninas não vão à escola, cerca de 60% dos jovens entre os 15 – 24 anos que vivem com VIH são raparigas e mulheres, 214 milhões das mulheres em idade reprodutiva dos países em desenvolvimento que não desejam engravidar não tem acesso a um método anti conceptivo efetivo, e em que metade das cerca de 25.5 milhões interrupções voluntárias de gravidez são inseguras, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto é mais um sinal a juntar a muitos outros de que os direitos humanos em geral e o direito das mulheres a decidirem por si próprias, são violentamente atacados mesmo entre as elites sociais. (aqui) (aqui)

O acórdão de Outubro de 2017, em que os juízes justificam a sua decisão, citamos “ Ora o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372 punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse. Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher. Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o ato de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida” é bem o exemplo da violência sobre as mulheres, estando a par dos exemplos denunciados no editorial da Lancet.

Mas como escreve o editorialista da LancetIn this rather depressing context, is there need for a more positive way to talk about female bodily autonomy”. She Decides é o exemplo de um novo movimento, criado em janeiro de 2017 pela ministra holandesa do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, Lilianne Ploumen, para promover, prover, proteger e fortalecer os direitos fundamentais de cada mulher (aqui), em resposta à aplicação pelo Presidente Trump da Global Gag Rule, também conhecida pela Mexico City Policy (aqui), que estipula que todas as organizações não-governamentais que recebem financiamento federal devem abster-se de promover o aborto seguro ou informações sobre o aborto em outros países.

“She Decides” é um movimento global para promover, providenciar, proteger e melhorar os direitos fundamentais de cada mulher.



Como disse Robin Gorna à Lancet “ É fácil desesperar no contexto dos Trumps e Weinsteins deste mundodos juízes do Tribunal de Relação do Porto, acrescentamos nós “mas tenho uma profunda convicção de que, quando as coisas ficam tão más, levam a um tempo de uma extraordinária mudança ".

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