Em 1949
Vitorino Nemésio no conto “Mau Agoiro” inserto no livro “O Mistério do Paço do Milhafre”, descrevia a casa da Cacena, uma velha e triste mulher, plantada na
Canada do Búzio como um casebre que mais parecia um fojo de «bruxas do que tectos
de gente baptizada. Se não fosse algum molhe de palha que o Menino Jesus
acende, o Inverno era frio como a neve e negro como um tição» o mesmo frio que
na “Casa de Hóspedes” de Raul Brandão (1926) era descrito como «o frio dos
desgraçados».
Vem isto a
propósito da responsabilidade da pobreza energética (quando uma pessoa ou
família gasta mais de 10% do seu rendimento para manter a sua habitação numa
condição térmica satisfatória, resultando da combinação de 3 fatores:
rendimento, eficiência energética e custo da energia) e das condições
habitacionais que ainda hoje afetam uma fatia importante da população
portuguesa no excesso de mortalidade verificada em Portugal em todos os
Invernos, uma espécie de «paradoxo» entre os países de clima temperado que faz
com que Portugal apresenta a maior variação sazonal da mortalidade, 28% no
trabalho de Healy em 2003 e 25.9% no trabalho de Fowler em 2014.
No caso
português este excesso de mortalidade tem quase sempre atribuído à gripe sazonal
deixando para segundo plano as outras causas (aqui), ao contrário das evidências descritas
no trabalho de 2011 de Marmot e colaboradores “THE HEALTH IMPACTS OF COLD HOMESAND FUEL POVERTY” e no trabalho de 2012 dos investigadores portugueses Almendra
et al. “EXCESSO DE MORTALIDADE NO INVERNO NOS PAÍSES DA EUROPA MEDITERRÂNEA” onde
os autores reconhecem que o efeito da pobreza energética e das condições habitacionais
são relevantes na atribuição do excesso de mortalidade às doenças
cardiovasculares.
No trabalho
de Marmot o excesso de mortalidade é atribuível em cerca de 40% e em cerca de 30%
às doenças respiratórias. Avançando ainda que a saúde mental é afetada negativamente
pela pobreza energética e pelas condições habitacionais em todas as idades,
existindo no caso das crianças o dobro da probabilidade para as crianças que
vivem em casas frias terem mais problemas respiratórios e que os adolescentes que
vivem em casas frias apresentam maior risco para problemas de saúde mental dos
que vivem em casa aquecidas, na proporção de 1 para 4 contra 1 para 20.
No caso do
trabalho de Almendra et al, verificou-se uma maior taxa de incidência de
enfarte agudo do miocárdio e um excesso de internamentos por enfarte agudo do
miocárdio durante os meses de inverno.
Apesar de
Portugal ser dos países da Europa com maior excesso de mortalidade durante o inverno as autoridades de saúde continuam a centrar a sua atenção em torno da
vacinação antigripal, de conselhos à população para lidar com o frio e ao
reforço do atendimento nos serviços de urgência, dando pouca atenção aos seus
determinantes sociais.
Portugal precisa
antes de mais de políticas que promovam a eficiência térmica, que melhorem as
condições habitacionais pondo fim as vulnerabilidades das habitações, medidas
em termos europeus pelas falhas nos telhados, humidades nas paredes, nos andares e nas fundações dos edifícios e ainda pelos apodrecimentos nas janelas e nos pisos, necessita de aprofundar as medidas de combate à pobreza energética que o
atual governo tem vindo a desenvolver através da atribuição automática da
tarifa social da energia a mais de 700.000 consumidores (aqui). Compete às autoridades
de saúde desenvolver estudos que permitam conhecer a população em pobreza
energética, influenciar legislação apropriada e programas de melhoria das
condições habitacionais.
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