Mostrar mensagens com a etiqueta COLONIALISMO. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta COLONIALISMO. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

NUM CONTINENTE (AMERICANO) MARCADO PELA DIVERSIDADE, O QUE FAZ COM QUE UM NORTE-AMERICANO VIVA MAIS 15 ANOS QUE UM HAITIANO E MENOS 4 ANOS QUE UM CANADIANO. "Sociedades Justas:Equidade em Saúde e Vida Digna" Comissão para o Estudo da Equidade e das Desigualdades em Saúde das Américas.


A Comissão para o Estudo da Equidade e das Desigualdades em Saúde das Américas, criada em maio de 2016 pela Organização Pan-Americana da Saúde, apresentou e publicou ontem, dia 24 se setembro, o sumário executivo do Relatório “SOCIEDADES JUSTAS: EQUIDADE EM SAÚDE E VIDA DIGNA” (aqui)onde apresenta o quadro conceptual para o estudo da equidade e das desigualdades nas Américas com base na estrutura utilizada pela Comissão da Organização Mundial de Saúde para os Determinantes Sociais da Saúde, coerente com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável definidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015, aprofundando temas como o colonialismo, o racismo estrutural e a importância das relações com a terra, dando um maior ênfase ao meio ambiente e às mudanças climáticas e um maior relevo às iniquidades por razões de género, origem étnica, orientação sexual, ciclo de vida e incapacidade, reconhecendo as inter-relações entre estes fatores e sublinhando a necessidade de conseguir uma maior equidade em saúde e uma vida digna como resultado desejado.

O relatório apresenta para além do quadro conceptual, um resumo do diagnóstico das desigualdades em saúde no continente americano e 12 recomendações para ação política a desenvolver por cada um dos países do continente americano “As part of this process, each country should review the priority objectives, as set out by this Commission, adapt them to their specific context, and identify the resources, legislative changes, and capacity-building needed to take forward the specific actions. The achievement will be more just societies in which all people are enabled to lead dignified lives and in which health equity is a realizable goal.”

No dia 24 de setembro, o presidente da Comissão, o professor Michael Marmot, publicava um comentário na revista Lancet (aqui) onde antecipava alguns aspetos do relatório agora publicado. Começando por abordar as desigualdades entre países fazendo uso quer da esperança de vida à nascença quer do nível de rendimento, dando como exemplo as diferenças entre a esperança de vida à nascença do país mais rico do mundo os Estados Unidos (59.000 $US dólares por pessoa), quer para homens (76 anos) quer para mulheres (81 anos) e o país mais pobre das Américas, o Haiti (1.800 $US dólares por pessoa), onde a expetativa das mulheres se cifra nos 66 anos e a dos homens nos 61 anos, chamava a atenção para as exceções da Costa Rica e de Cuba (com rendimentos por pessoa na casa dos 16.000 $US dólares), com expetativas de vida superiores em um ano aos Estados Unidos e para as diferenças entre os Estados Unidos e o Canadá (o país com maior esperança de vida à nascença das Américas), favoráveis ao Canadá, mais 3 anos de vida para as mulheres e mais quatro para os homens, quando o rendimento por pessoa do Canadá é ¼ mais baixo do que nos EUA.


Mas as exceções não vêm apenas das diferenças entre países, elas também são visíveis dentro de cada país, dando a Comissão como exemplo as diferenças registadas entre a esperança de vida à nascença dos homens dos bairros mais pobres de Baltimore, próxima da verificada no Haiti, e a dos homens dos bairros mais ricos de Baltimore com uma esperança de vida maior que a dos homens da Canadá, e a esperança de vida mais desfavorável entre os homens com menor escolaridade no Chile, que podem esperar viver menos 11 anos do que um homem chileno com educação universitária.

Ao longo do relatório as evidências reunidas pela Comissão mostram que muitas doenças são socialmente determinadas, as desigualdades em saúde surgem devido às condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. O efeito dos determinantes socais da saúde está patente desde o início da vida, na maioria dos países das Américas o desenvolvimento das crianças e os seus resultados em educação, rendimento, saúde e bem-estar estão alinhados com a situação dos pais. A possibilidade de uma criança morrer antes dos 5 anos está vinculada ao rendimento dos pais, quanto menor o rendimento maior a mortalidade, na Guatemala a taxa de mortalidade para menores de 5 anos era de 56/1.000 para o quintil mais pobre, enquanto a mesma taxa de mortalidade era no quintil mais rico de 7/.1000.

Mas para além de abordar as desigualdades sociais e económicas a Comissão identificou as mudanças climáticas, as ameaças ambientais, a relação com a terra e o contínuo impacto do colonialismo, do racismo e da história da escravatura como fatores que protelam o objetivo da maioria dos americanos levarem uma vida digna e desfrutarem do mais alto padrão de saúde possível.

A Comissão dá ainda uma atenção particular à situação dos povos indígenas e dos afrodescendentes, os primeiros representam 35 a 50 milhões de pessoas na América do Sul, do Caribe da América Central cerca de 13% da população, 5.2 milhões nos Estados Unidos e Alasca e 1.4 milhões no Canadá e os segundos cerca de 200 milhões de pessoas no continente americano, incluindo o Canadá e os Estados Unidos, sublinhando o papel do colonialismo e o racismo estrutural nas desigualdades em saúde. Ser pobre, nativo, mulher e sem terra, pode causar mais inequidades em saúde do que ser afetado isoladamente por qualquer um destes eixos de desigualdade.

Uma boa saúde requer não só acesso a cuidados de saúde de qualidade, mas também a ação sobre os determinantes sociais da saúde, as recomendações da Comissão para o Estudo da Equidade e das Desigualdades em Saúde das Américas seguem o quadro conceptual e exortam os países a reduzirem as desigualdades em saúde, a enfrentarem os problemas da educação, do emprego, dos rendimentos e da segurança, ao mesmo tempo que devem olhar de forma determinada para a defesa dos direitos humanos e para o colonialismo intrínseco à história do continente americano.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

1966, O ANO EM QUE PORTUGAL FOI SUSPENSO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE


Há 52 anos, em 18 de maio de 1966, a 19.ª Assembleia Mundial da Saúde reunida em Genebra na sede da Organização Mundial de Saúde (OMS) (aqui) suspendia o direito de Portugal participar no Comité Regional para África da OMS e nas atividades regionais, bem como do direito a receber assistência técnica até que o governo português se dispusesse a acatar as disposições das diversas resoluções adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança em relação aos territórios africanos sob administração português e em particular a posição assumida pelo Conselho de Segurança em sua resolução 180 (1963) de 31 de julho de 1963 (aqui) ao declarar o sistema de governo aplicado por Portugal em África contrário aos princípios da Carta das Nações Unidas.

A resolução aprovada instava Portugal: a reconhecer de imediato o direito dos povos dos territórios sob sua administração à autodeterminação e independência; à cessação imediata de todos os atos de repressão e à retirada de todas as forças militares e de outras forças empregues para esse fim; à promulgação de uma amnistia política incondicional e ao estabelecimento de condições que permitam o livre funcionamento dos partidos políticos; a negociar com base no reconhecimento do direito à autodeterminação, com os representantes autorizados dos partidos políticos dentro e fora dos territórios, com vista à transferência de poder para instituições políticas livremente eleitas e representativas dos povos de acordo com a resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral das Nações Unidas; à concessão de independência imediatamente a todos os Territórios sob sua administração de acordo com as aspirações dos povos.

Estas medidas acabariam por ser reforçadas durante a 21.ª Assembleia Mundial de Saúde em maio de 1968 (aqui), ao recusar qualquer programa de assistência a Portugal até que o governo de Salazar renunciasse à política colonial de dominação dos povos africanos

Portugal manteve-se assim isolado da atividade da Organização Mundial de Saúde, perdendo a influência que tinha tido até 1964 naquela organização, através da importante participação de Francisco Cambournac, prestigiado malariologista português como Diretor do Escritório Regional Africano da OMS, onde cumpriu dois mandatos de 1954 a 1959 e de 1959 a 1964.
Francisco Cambournac

Francisco Cambournac, que tinha desenvolvido grande parte do seu trabalho, como médico, professor e investigador na área da medicina tropical e do paludismo, ocupando diversos cargos nos serviços dedicados ao combate do paludismo, tendo sido o primeiro diretor do Instituto de Malariologia em Águas de Moura, desenvolvido pela Fundação Rockefeller em colaboração com a Direcção-Geral da Saúde, veio a ocupar um papel primordial, desde a primeira hora na constituição da Organização Mundial de Saúde.

Em 1946, participou como representante de Portugal na Conferência Internacional de Saúde realizada em Nova Iorque que antecedeu a formação da OMS, tendo sido nomeado como primeiro consultor da OMS para o continente africano, organizando nesta qualidade a primeira conferência que a OMS realizou em África.

Com o aproximar do final de mandato em 1964, já eram evidentes as tensões existentes nas Nações Unidas e em particular no Escritório Regional Africano da OMS, com a admissão de novos países africanos que tinham obtido a sua independência, passando 3 estados africanos independentes em 1967 para 29 países em 1965, e a condenação de Portugal ao isolamento por se recusar a alterar a sua política colonial de acordo com as resoluções das Nações Unidas. Circunstâncias que viriam a impedir a candidatura de Francisco Cambournac a qualquer outro cargo na OMS e a condenar Portugal ao isolamento até à data do 25 de abril de 1974. Regressado a Portugal Cambournac foi nomeado em 1964 diretor do Instituto de Medicina Tropical, responsável pela organização da Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical, que dirigiu entre 1967 e 1972 e diretor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical até Dezembro de 1973.


Médico e cientista de vulto internacional, pouco conhecido em Portugal e entre os seus pares por nas palavras de sua filha citadas por Francisco George manter princípios que o afastavam da política colonial do regime do Estado Novo. (aqui) (aqui) (aqui)


Portugal regressaria à OMS durante a 28.ª Assembleia Mundial da Saúde em maio de 1975, depois da Assembleia Geral das Nações Unidas ter aprovado a resolução 3300(XXIX) em dezembro de 1974 (aqui), onde autorizava as organizações e as agências internacionais associadas às Nações Unidas a retomarem a cooperação com o novo Governo de Portugal, reconhecendo os passos que este dera para o início descolonização e para o reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos sob domínio colonial português, quando esta “ DECIDES to restore to Portugal the full right to receive assistance from the World Health Organization.”