Há 52 anos,
em 18 de maio de 1966, a 19.ª Assembleia Mundial da Saúde reunida em Genebra na
sede da Organização Mundial de Saúde (OMS) (aqui) suspendia o direito de Portugal
participar no Comité Regional para África da OMS e nas atividades regionais,
bem como do direito a receber assistência técnica até que o governo português
se dispusesse a acatar as disposições das diversas resoluções adotadas pela
Assembleia Geral das Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança em relação aos
territórios africanos sob administração português e em particular a posição
assumida pelo Conselho de Segurança em sua resolução 180 (1963) de 31 de julho
de 1963 (aqui) ao declarar o sistema de governo aplicado por Portugal em África
contrário aos princípios da Carta das Nações Unidas.
A resolução
aprovada instava Portugal: a reconhecer de imediato o direito dos
povos dos territórios sob sua administração à autodeterminação e independência;
à cessação imediata de todos os atos de repressão e à retirada de todas as
forças militares e de outras forças empregues para esse fim; à promulgação de
uma amnistia política incondicional e ao estabelecimento de condições que
permitam o livre funcionamento dos partidos políticos; a negociar com base no
reconhecimento do direito à autodeterminação, com os representantes autorizados
dos partidos políticos dentro e fora dos territórios, com vista à transferência
de poder para instituições políticas livremente eleitas e representativas dos
povos de acordo com a resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral das Nações Unidas;
à concessão de independência imediatamente a todos os Territórios sob sua
administração de acordo com as aspirações dos povos.
Estas
medidas acabariam por ser reforçadas durante a 21.ª Assembleia Mundial de Saúde
em maio de 1968 (aqui), ao recusar qualquer programa de assistência a Portugal até que
o governo de Salazar renunciasse à política colonial de dominação dos povos
africanos.
Portugal
manteve-se assim isolado da atividade da Organização Mundial de Saúde, perdendo
a influência que tinha tido até 1964 naquela organização, através da importante
participação de Francisco Cambournac, prestigiado malariologista português como
Diretor do Escritório Regional Africano da OMS, onde cumpriu dois mandatos de
1954 a 1959 e de 1959 a 1964.
Francisco Cambournac |
Francisco
Cambournac, que tinha desenvolvido grande parte do seu trabalho, como médico, professor e
investigador na área da medicina tropical e do paludismo, ocupando diversos
cargos nos serviços dedicados ao combate do paludismo, tendo sido o primeiro
diretor do Instituto de Malariologia em Águas de Moura, desenvolvido pela
Fundação Rockefeller em colaboração com a Direcção-Geral da Saúde, veio a
ocupar um papel primordial, desde a primeira hora na constituição da
Organização Mundial de Saúde.
Em 1946, participou
como representante de Portugal na Conferência Internacional de Saúde realizada
em Nova Iorque que antecedeu a formação da OMS, tendo sido nomeado como primeiro
consultor da OMS para o continente africano, organizando nesta qualidade a primeira
conferência que a OMS realizou em África.
Com o
aproximar do final de mandato em 1964, já eram evidentes as tensões existentes nas
Nações Unidas e em particular no Escritório Regional Africano da OMS, com a
admissão de novos países africanos que tinham obtido a sua independência,
passando 3 estados africanos independentes em 1967 para 29 países em 1965, e a
condenação de Portugal ao isolamento por se recusar a alterar a sua política
colonial de acordo com as resoluções das Nações Unidas. Circunstâncias que
viriam a impedir a candidatura de Francisco Cambournac a qualquer outro cargo
na OMS e a condenar Portugal ao isolamento até à data do 25 de abril de 1974. Regressado
a Portugal Cambournac foi nomeado em 1964 diretor do Instituto de Medicina
Tropical, responsável pela organização da Escola Nacional de Saúde Pública e de
Medicina Tropical, que dirigiu entre 1967 e 1972 e diretor do Instituto de
Higiene e Medicina Tropical até Dezembro de 1973.
Médico e
cientista de vulto internacional, pouco conhecido em Portugal e entre os seus
pares por nas palavras de sua filha citadas por Francisco George manter princípios que o afastavam da política colonial do regime do
Estado Novo. (aqui) (aqui) (aqui)
Portugal regressaria
à OMS durante a 28.ª Assembleia Mundial da Saúde em maio de 1975, depois da
Assembleia Geral das Nações Unidas ter aprovado a resolução 3300(XXIX) em
dezembro de 1974 (aqui), onde autorizava as organizações e as agências internacionais
associadas às Nações Unidas a retomarem a cooperação com o novo Governo de
Portugal, reconhecendo os passos que este dera para o início descolonização e
para o reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos sob domínio
colonial português, quando esta “ DECIDES to restore to Portugal the full right to receive assistance from the World Health Organization.”
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