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domingo, 4 de dezembro de 2016

VIH-SIDA E OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

Ignorar as condições sociais de um doente pode ser um erro inadmissível, considerando que o seu prognóstico, se não mesmo as suas próprias etiologias, e as opções terapêuticas podem ser fortemente influenciadas por ele. Curar clinicamente um doente, ou estabilizá-lo e enviá-lo de novo para o seu ambiente deve ter como pano de fundo as palavras de Leonard Slyme, recordadas por Michael Marmot, “Just because you’re a doctor, doesn’t mean you understand the causes of ill health. You understand something about biology and medical conditions but you’ve got to learn something about society if you really want to understand the causes of ill health.” (aqui)

O VIH-SIDA é um reflexo claro disso. Apesar do mundo ter sido capaz de deter a epidemia e reverter a propagação da epidemia, conseguindo que as novas infeções pelo VIH e as mortes por SIDA tenham diminuído muito desde o ponto mais elevado da epidemia, em Junho de 2016 viviam 36,7 milhões com VIH, das quais apenas 18,2 milhões (mais 3 milhões do que em 2014) tinham acesso a medicamentos capazes de salvar as suas vidas. Apesar dos progressos realizados o último relatório da UNAIDS, chama à atenção para a situação na África subsariana onde as mulheres enfrentam uma triple ameaça, uma vez que para além de correrem risco elevado de infeção, têm baixas taxas de deteção do vírus e uma pobre adesão ao tratamento. (aqui)

Também nos países de renda média e alta o VIH continua a afetar os mais desfavorecidos, os toxicodepentes, os presos, os desempregados e os migrantes. Os novos tratamentos travarão a transmissão do VIH e salvarão vidas, mas devolverão as pessoas ao seu ambiente social, e não serão por si sinónimo de melhoria das suas vidas. Devolvidos à rua, ou aos bairros degradados, com baixa escolaridade, sem trabalho, sem apoio familiar e social, sem dentes, acumulando doenças respiratórias, hepatite C, ou problemas de saúde mental, facilmente recairão. (aqui)(aqui)

A epidemia pode desaparecer mas as pessoas continuarão a ficar prisoneiras no ciclo de saúde-doença se não trabalharmos na causa das causas, os determinantes sociais da saúde.



Como escreveu Virchow (citado por Geoffrey Rose) “Epidemics appear, and often disappear without traces, when a new culture period has started; thus with leprosy, and the English sweat. The history of epidemics is therefore the history of disturbances of human culture”.(aqui)

domingo, 9 de outubro de 2016

RISCO CARDIOVASCULAR - MAIS ALÉM DA ABORDAGEM INDIVIDUAL

Apesar da “Carta europeia para a saúde do coração” reconhecer a doença cardiovascular como “ uma condição multifatorial” e ser essencial “ que todos os determinantes e fatores de risco sejam abordados tanto a nível social como a nível individual ”, a realidade tem demonstrado que grande parte da investigação epidemiológica e das políticas públicas se têm concentrado nos fatores de risco a nível individual, tanto comportamentais como biológicos, muitas vezes desligados dos contextos sociais e ambientais, acabando por os valorizar e priorizar em detrimento dos outros.

Esta abordagem acaba por desembocar numa visão em que os fatores de risco cardiovascular são uma questão de escolhas individuais ou um assunto dos serviços de saúde, gerando um abordagem preventiva assente em duas estratégias de abordagem individual: educação para a saúde e motivação das pessoas para mudarem os seus hábitos individuais e a deteção precoce de fatores de risco e o seu tratamento através dos serviços de saúde (campanhas para deteção e tratamento da hipertensão arterial e do colesterol elevado.) (aqui)

No entanto, é conhecida uma outra abordagem (aqui), desde a publicação de “Sick individuals and sick populations” de Geoffrey Rose nos anos 80, que destaca o fator populacional e as diferenças na distribuição dos riscos dentro das populações e entre elas, chamando a atenção para ação dos determinantes sociais sobre as populações, “ a causa das causas”. Syme no artigo “ The prevention of disease and promotion of health: the need for a new approach” publicado no European Journal of Public Health, chama a atenção para a necessidade de uma abordagem populacional que tenha em conta as questões sociais e ambientais “ The first problem is that after decades of epidemiologic research, it has proven very difficult to identify disease risk factors...The second problem is that even when we do identify disease risk factors, we have a very difficult time in getting people to change their behavior. Many research studies have shown that even when people know about risk factors for disease, this often does not result in their changing behaviour to lower risk. Most behaviour changes occur, in fact, in response to a variety of environmental and community forces that constrain and modify behaviour...The third problem with our current public health model, however, is the most challenging of all. Even if everyone at risk did change their behaviour to lower their risk, new people would continue to enter the at-risk population at an unaffected rate. This is because we rarely identify and intervene on those forces in the community that cause the problem in the first place. This is a major issue for us in public health. If one of our goals is to prevent disease and promote health, I do not think we can accomplish this mission by an exclusive focus on individual diseases and risk factors.”


Vem tudo isto a propósito do “esquecimento” sistemático dos determinantes sociais e ambientais como fatores de risco cardiovascular e da contínua opção pelas abordagens preventivas centradas no indivíduo em detrimento da abordagem populacional e comunitária reveladas pelas autoridades de saúde (aqui) (aqui) e sociedades científicas nacionais, de que são exemplos as ideias expressas em documentos da Direção Geral de Saúde como “A Saúde dos Portugueses. Perspetiva 2015” (aqui)onde os determinantes sociais são tratados de uma forma vaga, e sem qualquer sustentação nacional «Os determinantes sociais constituem a principal abordagem de análise de Saúde das populações. Pesquisas demonstraram a existência de um gradiente social em função dos rendimentos familiares, isto é, relacionado com desigualdades e iniquidades, em particular com as diferenças ocorridas entre comunidades prósperas e pobres no que se refere, por exemplo, à esperança de vida e outros indicadores (Marmot et Allen). Já em 1953, Arnaldo Sampaio, num texto intitulado “A Saúde é Prosperidade”, afirmava “… A relação entre pobreza e doença é flagrante (…) quanto mais pobre, mais doente, quanto mais doente, mais pobre…” Outros determinantes sociais em interação com a classe social são condicionantes do estado de Saúde das populações, como o género, por exemplo.», ou na página “Eu Amo Viver”  da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a contrário da evidência publicada nos últimos anos e bem expressa por Ana Diez Roux no artigo seminal “ Residential Environments and Cardiovascular Risk” publicado em 2003 no Journal of Urban Health: Bulletin of the New York Academy of Medicine, e nas suas vias de relacionamento entre os “residential environments” e os fatores de risco cardiovascular.





sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A VISÃO DE GEOFFREY ROSE

Passam 22 anos sobre a morte de Geoffrey Rose, médico, epidemiologista e investigador. Pioneiro no ensino da epidemiologia dedicou parte da sua obra à investigação sobre as Doenças Cardiovasculares, coautor do Manual “ Cardiovascular Disease Survey Methods,WHO Techincal n.º 56, Geneve, 1968”, dirigiu numerosos estudos sobre doenças cardiovasculares (DCV), e participou como investigador principal no estudo INTERSALT, que encontrou uma associação positiva entre a excreção urinária de sódio e a pressão arterial sistólica.


No ano de 1981 publica “Strategy of prevention: lessons from cardiovascular disease” e em 1985 “Sick Individuals and Sick Populations”, onde aborda “ as causas dos casos e as causas da incidência” distinguindo duas abordagens estratégicas de prevenção: a estratégia de alto risco, que procura identificar os indivíduos suscetíveis de alto risco e proporcionar-lhes uma cera proteção individual e a estratégia populacional, que procura controlar os fatores determinantes da incidência da população como um todo. 

Em 1993 publica “The Strategy of Preventive Medicine by Geoffrey Rose, reeditado e atualizado em 2008 com o título de “Rose's Strategyof Preventive Medicine”.


"A investigação médica concentra-se nas “causas próximas ou imediatas” das doenças. São causas relacionadas com agentes infeciosos, deficiências ou excessos nutricionais, o hábito de fumar, as exposições a tóxicos ou a alergénios” Rose 

"Por outro lado, existem as “causas das causas”, isto é, os determinantes da exposição a estas infeções, à má dieta, e a outras experiências não saudáveis. Estas são matéria de investigação social, económica e política" Rose