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domingo, 20 de janeiro de 2019

"SAÚDE, UMA QUESTÃO DE CLASSE" - OS BAIRROS DE BARRACAS NO PORTUGAL DOS ANOS 60/70


No final dos anos 60 e início dos anos 70 milhares de portugueses viviam em condições habitacionais miseráveis. Em 1970 de acordo com o Censo 1970 os dados oficiais indicavam um total de 31 110 habitações precárias barracas e outros, no território continental. Nesta época, as estatísticas indicavam que, para um total de 2 164 965 alojamentos em Portugal, existia uma percentagem de 64,3% de habitações com energia elétrica, 47,1%, com abastecimento de água e 30% de habitações servidas por rede de esgotos, significando que 29,4% das famílias portuguesas estavam alojadas em condições abaixo dos padrões mínimos, considerando a presença de água, luz e casa de banho.(aqui)
Imagem de "SAÚDE, UMA QUESTÃO DE CLASSE"

Nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa acumulavam-se milhares de famílias em “ilhas” ou “barracas”. Na área metropolitana de Lisboa a população que vivia nos bairros de barracas situados no limite do concelho de Lisboa, na zona oriental da cidade, na zona da circunvalação Algés-Buraca e nos concelho de Loures, de Oeiras e da Amadora, era constituída na sua maioria por famílias oriundas de concelhos a norte do Tejo, que na sua maioria tinham emigrado para Lisboa para trabalharem na construção civil e na indústria (apenas cerca de 37% dos agregados familiares moradores nestes bairros nasceram em Lisboa). (aqui)(aqui)

Ao longo dos anos 60 e dos primeiros anos da década de 70, o número de bairros de barracas não para de crescer estimando a Polícia Municipal de Lisboa que na cidade cerca de 90.000 pessoas vivem-se em condições precárias. No caso do Bairro Chinês, o maior bairro de barracas de Lisboa, espalhado pela Quinta Marquês de Abrantes e quintas limítrofes na freguesia de Marvila, viviam cerca de 8000 pessoas oriundas dos concelhos de Viseu, Resende e Castro Daire maioritariamente empregues no polo industrial da zona oriental de Lisboa (Fábrica Nacional de Sabões, Fábrica da Borracha, Fábrica dos Fósforos, Petroquímica e armazéns de vinhos de Abel Pereira da Fonseca).

É desta realidade que fala o trabalho “Saúde, uma questão de classe”, disponível nos arquivos da RTP (aqui), das condições habitacionais e sanitárias em que viviam as classes trabalhadoras dos bairros de barracas dos concelhos da Amadora e de Lisboa devastadas pela mortalidade infantil e pela mortalidade por causas evitáveis, de que são exemplo a taxa de mortalidade infantil em 1973, 44.8/1.000 e os 67.6 anos de esperança de vida à nascença.



terça-feira, 15 de janeiro de 2019

MORRER DE FRIO E DE MÁS CONDIÇÕES HABITACIONAIS - EXCESSO MORTALIDADE NO INVERNO


Em 1949 Vitorino Nemésio no conto “Mau Agoiro” inserto no livro “O Mistério do Paço do Milhafre”, descrevia a casa da Cacena, uma velha e triste mulher, plantada na Canada do Búzio como um casebre que mais parecia um fojo de «bruxas do que tectos de gente baptizada. Se não fosse algum molhe de palha que o Menino Jesus acende, o Inverno era frio como a neve e negro como um tição» o mesmo frio que na “Casa de Hóspedes” de Raul Brandão (1926) era descrito como «o frio dos desgraçados».

Vem isto a propósito da responsabilidade da pobreza energética (quando uma pessoa ou família gasta mais de 10% do seu rendimento para manter a sua habitação numa condição térmica satisfatória, resultando da combinação de 3 fatores: rendimento, eficiência energética e custo da energia) e das condições habitacionais que ainda hoje afetam uma fatia importante da população portuguesa no excesso de mortalidade verificada em Portugal em todos os Invernos, uma espécie de «paradoxo» entre os países de clima temperado que faz com que Portugal apresenta a maior variação sazonal da mortalidade, 28% no trabalho de Healy em 2003 e 25.9% no trabalho de Fowler em 2014.

No caso português este excesso de mortalidade tem quase sempre atribuído à gripe sazonal deixando para segundo plano as outras causas (aqui), ao contrário das evidências descritas no trabalho de 2011 de Marmot e colaboradores “THE HEALTH IMPACTS OF COLD HOMESAND FUEL POVERTY” e no trabalho de 2012 dos investigadores portugueses Almendra et al. “EXCESSO DE MORTALIDADE NO INVERNO NOS PAÍSES DA EUROPA MEDITERRÂNEA” onde os autores reconhecem que o efeito da pobreza energética e das condições habitacionais são relevantes na atribuição do excesso de mortalidade às doenças cardiovasculares.

No trabalho de Marmot o excesso de mortalidade é atribuível em cerca de 40% e em cerca de 30% às doenças respiratórias. Avançando ainda que a saúde mental é afetada negativamente pela pobreza energética e pelas condições habitacionais em todas as idades, existindo no caso das crianças o dobro da probabilidade para as crianças que vivem em casas frias terem mais problemas respiratórios e que os adolescentes que vivem em casas frias apresentam maior risco para problemas de saúde mental dos que vivem em casa aquecidas, na proporção de 1 para 4 contra 1 para 20.

No caso do trabalho de Almendra et al, verificou-se uma maior taxa de incidência de enfarte agudo do miocárdio e um excesso de internamentos por enfarte agudo do miocárdio durante os meses de inverno.

Apesar de Portugal ser dos países da Europa com maior excesso de mortalidade durante o inverno as autoridades de saúde continuam a centrar a sua atenção em torno da vacinação antigripal, de conselhos à população para lidar com o frio e ao reforço do atendimento nos serviços de urgência, dando pouca atenção aos seus determinantes sociais.

Portugal precisa antes de mais de políticas que promovam a eficiência térmica, que melhorem as condições habitacionais pondo fim as vulnerabilidades das habitações, medidas em termos europeus pelas falhas nos telhados, humidades nas paredes, nos andares e nas fundações dos edifícios e ainda pelos apodrecimentos nas janelas e nos pisos, necessita de aprofundar as medidas de combate à pobreza energética que o atual governo tem vindo a desenvolver através da atribuição automática da tarifa social da energia a mais de 700.000 consumidores (aqui). Compete às autoridades de saúde desenvolver estudos que permitam conhecer a população em pobreza energética, influenciar legislação apropriada e programas de melhoria das condições habitacionais.

domingo, 13 de maio de 2018

HABITAÇÃO E SAÚDE - EM 2017 DIMINUIU A POPULAÇÃO COM SOBRECARGA DE DESPESAS EM HABITAÇÃO


O INE divulgou, em 07 de maio, os resultados definitivos do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, referente a 2017 (aqui), destacando que a privação habitacional severa (condições da habitação que corresponde à proporção de pessoas que viviam em 2017 num alojamento sobrelotado e que referiram pelo menos um dos seguintes problemas: a) inexistência de instalação de banho ou duche no interior do alojamento; b)inexistência de sanita com autoclismo, no interior do alojamento; c) teto que deixa passar água, humidade nas paredes ou apodrecimento das janelas ou soalho; d) luz natural insuficiente num dia de sol) diminuiu 2.5% entre 2016 e 2017, reduzindo-se principalmente nos agregados familiares com menores rendimentos.
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento 2017 mostra ainda uma evolução positiva da taxa de sobrecarga das despesas em habitação, que atingiu 6,7% da população em 2017 e uma redução da condição de sobrelotação em todas as classes de rendimento, registando contudo um impacto mais expressivo (menos 2,5%) nos agregados familiares com menores rendimentos.

Estes resultados sublinham a importância da habitação como um dos fatores relacionados com a saúde da população, e um dos elementos essenciais para a saúde pública. O acesso à habitação é um direito expressamente reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, já que todas as pessoas tem direito a um nível de vida que lhes garanta a saúde e o bem-estar, independentemente da sua condição.
"Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia"
A relação entre a habitação e a saúde pode-se explicar através de diferentes dimensões: pelos aspetos legais e económicos, pela importância que tem o acesso e a capacidade em manter a habitação e o risco de perdê-la; pelos aspetos emocionais, e sociais que as pessoas atribuem à sua casa e pelos aspetos relacionados com a sua localização, e ainda pelas características do seu bairro ou da sua vizinhança, saneamento básico, espaços verdes e segurança (aqui).

De acordo com a análise do Professor Carlos Farinha Rodrigues, para o projeto "Portugal Desigual" da Fundação Manuel dos Santos (aqui), os dados mais recentes publicados pelo INE confirmam o ciclo descendente da generalidade dos indicadores de pobreza e desigualdade verificado desde o período mais severo da crise económica e das políticas de austeridade, verificando-se no entanto, que muitos indicadores ainda estão aquém dos valores pré-crise, como é o caso da taxa de pobreza que em 2016 atingiu os 18.3%, mas ficou ainda acima do seu valor de 17,9% em 2008/09.







segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

INVERNO - MÁS CONDIÇÕES HABITACIONAIS - POBREZA ENERGÉTICA - A CAUSA DAS CAUSAS



Em 1853 Charles Dickens, escrevia em " Bleak House", com o título em português "A Casa Abandonada" edição de 1964 de Romano Torres a propósito das condições de vida nos "slums" do Reino Unido do século XIX:
“Jo lives—that is to say, Jo has not yet died—in a ruinous place, known to the like of him by the name of Tom-all-Alone. It is a black, dilapidated street, avoided by all decent people…Now, these tumbling tenements contain, by night, a swarm of misery…As, on the ruined human wretch, vermin parasites appear, so, these ruined shelters have bred a crowd of foul existence that crawls in and out of gaps in walls and boards; and coils itself to sleep, in maggot numbers, where the rain drips in; and comes and goes, fetching and carrying fever…”
Em Portugal, o médico Ricardo Jorge escrevia em 1899, acerca das condições de vida nas "Ilhas" da cidade do Porto, citado aqui:
“renques de cubículos, às vezes sobrepostos em coxias de travesso. Este âmbito, onde se empilham camadas de gente, é por via de regra um antro de imundíce; e as casinhas em certas ilhas, dessoalhadas e miseráveis, pouco acima estão da toca lôbrega dum trogolita. (...) São o acoito das classes operárias e indigentes que mercê dum aluguer usurário, pagam o seu direito de residência a preço mais subido do que as classes remediadas. Há no Porto 1048 ilhas com 11 129 casas, o que dá uma média de 10,6 casas por ilha. São pois 11 129 fogos de residência, o que corresponde aproximadamente a perto de 50 mil moradores (...) Vê-se que quase metade da gente do Porto mora e acama-se nas ilhas, gerando uma acumulação insalubérrima”

Vem isto a propósito das condições habitacionais que ainda hoje afetam os mais desfavorecidos em Portugal, sobretudo nas zonas urbanas das cidades do Porto e de Lisboa, e do "paradoxo da mortalidade de inverno" nos países de clima temperado como Portugal. De acordo com o trabalho de Raquel Nunes, (aqui) Portugal apresenta indicadores muito baixos no que se refere à qualidade energética das habitações em particular das pessoas mais idosas, ainda recentemente o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2015, revelava que 1 em cada 4 pessoas (24%) vive em agregados familiares sem capacidade para manter a casa aquecida adequadamente.

Com o aproximar do Inverno e o agravamento previsível das condições climatéricas não serão surpresa o agravamento das condições de saúde de uma parte significativa da população.
Necessitamos neste novo ciclo político que as autoridades de saúde pública assumam a sua responsabilidade para mobilizar as políticas públicas para o combate efetivo " A CAUSA DAS CAUSAS" definidas por Rose " Os determinantes da exposição a estas infeções, à má dieta, e a outras experiências não saudáveis. Estas são matéria de investigação social, económica e política"
BLEAK HOUSE