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quinta-feira, 1 de março de 2018

CONSUMO DE PRODUTOS ULTRAPROCESSADOS LIGADO AO RISCO DE CANCRO


O British Medical Journal publicou na sua edição de 14 de fevereiro o estudo “ Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort” liderado por investigadores da Sorbonne (EREN) e realizado com o objetivo de conhecer e avaliar possíveis associações entre o consumo de produtos ultraprocessados ​​e risco de ter cancro.

Nesta investigação os investigadores incluíram uma total de 104.980 participantes que participam voluntariamente no estudo NutriNet-Santé, 21,7% homens e 78,3% mulheres, com uma idade média de cerca de 43 ano, um estudo lançado em França em 2009 com o objetivo de estudar as associações entre a nutrição e a saúde, o estado de saúde dos participantes bem como os determinantes dos seus comportamentos alimentares, baseia-se na utilização voluntária de uma plataforma on-line, usando um site dedicado, www.etude-nutrinet-sante.fr, concluindo que um aumento de 10% na proporção de alimentos ultraprocessados de consumidos incluídos na dieta estava associado a aumentos significativos no risco de ter cancro, 12%, e a um risco de 11% para o cancro da mama, não tendo os investigadores encontrado aumentos significativos para o cancro do cólon e reto e para o cancro da próstata.

Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort

Os produtos ultraprocessados (aqui), de acordo com o sistema de classificação NOVA (aqui), são formulações industriais elaboradas a partir de substâncias derivadas de alimentos ou sintetizadas de outras fontes orgânicas, são invenções da ciência e da tecnologia alimentar industrial moderna. Requerem pouca ou nenhuma preparação culinária, estão prontos para consumir ou para aquecer, contendo poucos alimentos inteiros ou mesmo nenhuns. Algumas das substâncias usadas, como as gorduras, os óleos, os amidos e o açúcar derivam diretamente dos alimentos, outras obtém-se a partir do processamento adicional de certos componentes alimentares, como a hidrogeneização dos óleos (gerando gorduras trans) da hidrólise das proteínas e da “purificação” dos amidos.

A grande maioria dos ingredientes na maior parte dos produtos ultraprocessados são aditivos (aglutinantes, aumentadores de volume “bulkers”, estabilizadores, emulsificantes, corantes, aromatizantes, potenciadores sensoriais e solventes) e muitas vezes aos produtos ultraprocessados aumenta-se-lhes o volume com ar e água. Podem ser “fortificados” com micronutrientes sintéticos. Incluem pastas fritas vendidas em pacote como snacks/aperitivos, doces e salgadas; gelados, chocolates, guloseimas; pão, bolos, tortas, bolachas empacotadas; cereais adoçados para pequeno-almoço; compotas, geleias e marmeladas; barras “energéticas” de cereais; refrigerantes, bebidas açucaradas à base de leite, iogurtes líquidos, bebidas de chocolate, bebidas e néctares de fruta, leite “maternizado”, papas e outros produtos para bebés, produtos “saudáveis” ou para “emagrecer” em pó para “fortificar” ou substituir refeições.

Muito destes produtos, estão prontos para comer, tanto em casa como em locais de comidas rápidas, e, incluem pratos reconstituídos e preparados de carne, de peixe, mariscos, vegetais ou queijo, pizzas, hambúrgueres, salsichas, batatas fritas, nuggets ou palitos de peixe ou de aves, sopas, pastas e sobremesas, em pó ou embaladas. Muitas vezes parecem-se com as refeições preparadas em casa mas a lista dos ingredientes demonstram que o não são.
Guardian
De acordo com um estudo publicado recentemente na Public Health Nutrition em janeiro de 2018, “Household availability of ultra-processed foods and obesity in nineteen European countries”, o consume de produtos processados atingiu uma média de 26.4% nos 19 países estudados, apresentando variações significativas favoráveis aos países do Sul da Europa, Portugal 10.2%, Itália 13.4%, Grécia 13.7% e França 14.2%, em contraste com os países do Norte da Europa, Alemanha 46.2%, Irlanda 45.9%, Reino Unido 59.4%.

Apesar das limitações do estudo “ Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort” discutidas pelos autores, os resultados apresentados sugerem que o consumo de produtos ultraprocessados contribuem para o aumento do risco de ter cancro no geral e cancro da mama no particular, resultados que se somam aos já conhecidos riscos de aumento dos transtornos cardiometabólicos, como a obesidade, a hipertensão e alterações do metabolismo dos lípidos.


domingo, 19 de novembro de 2017

A "BIG SODA" EM GUERRA CONTRA A TAXA SOBRE AS BEBIDAS AÇUCARADAS - O CASO DA COLOMBIA

Na semana em que se assinala o Dia Mundial da Diabetes o New York Times (NYT) publicava no passado dia 13 de Novembro uma reportagem (versão em língua esapnhola) intitulada “Nos silenciaron’: La lucha en Colombia por gravar las bebidas azucaradasonde retrata a luta de um grupo de cidadãos organizados em torno da associação de defesa dos consumidoresEducar Consumidores” que defendiam a aprovação de um imposto sobre as bebidas açucaradas como medida para combater a obesidade e os problemas de saúde daí resultantes, como a diabetes, e a violenta resposta por parte das autoridades colombianas pressionadas pelos interesses ligados à indústria de refrigerantes e bebidas açucaradas.

Num processo descrito pelo NYT como “atroz” que “recordaba la intimidación que se usaba contra quienes desafiaban a los carteles de la droga que en el pasado dominaron a Colombia”, os ativistas da “Educar Consumidores” foram alvo de ameaças telefónicas e por correio eletrónico, viram os seus computadores atacados e foram vigiados ostensivamente pelas ruas. Durante a campanha pela aprovação de uma taxa sobre o açúcar a “Educar Consumidores” produziu e divulgou um anúncio de televisão (aqui) onde se advertiam os consumidores dos efeitos do consumo excessivo de bebidas açucaradas, provocando uma forte reação por parte da indústria de refrigerantes junto das autoridades colombianas.

A resposta da “Superintendencia de Industria y Comercio” da Colômbia retratada pelo NYT, foi feroz, decidindo aquele departamento proibir a difusão do anúncio, submeter a “control previo toda pieza publicitaria que la ASOCIACIÓN EDUCAR CONSUMIDORES pretenda trasmitir en cualquier medio de comunicación sobre el consumo de bebidas azucaradas”, e ameaçar com a aplicação de multa até 250.000 $USA se esta decisão fosse infringida.

No momento em que a taxa sobre bebidas açucaradas (na maioria das vezes adoçadas com xarope de milho rico em frutose) se expande por todo o mundo, abrangendo mais de 30 países, incluindo Portugal (aqui) onde a medida foi inscrita no orçamento de 2017, com o apoio da Organização Mundial de Saúde (aqui), trava-se uma dura batalha em muitas partes do mundo e em particular nos países emergentes onde se concentram a maioria dos consumidores e dos potenciais consumidores. (aqui) (aqui)


Muitas as vezes as medidas legais e ficais que facilitam escolhas saudáveis, como o controlo da publicidade do tabaco e do álcool, a proibição do consumo de tabaco em espaços fechados, o aumento das taxas fiscais sobre o álcool ou tabaco, a redução do sal nos alimentos, ou a promoção de espaços públicos que favoreçam a mobilidade ativa (espaços pedonais e ciclovias) são vistas de forma contraditória entre os cidadãos dos países desenvolvidos, preocupados com as questões da fiscalidade, ignorando muitas vezes que as medidas descritas são efetivas para promover hábitos saudáveis e ao mesmo tempo diminuir as desigualdades em saúde, necessitando de muita coragem política para as levar a cabo, face às dificuldades em enfrentar as poderosos e gigantescos interesses da “Big Soda”. (aqui)

Durante muitos anos as grandes corporações fomentaram um quadro ideológico, em que a crença prevalente se centra na conceptualização de que os hábitos pouco saudáveis dependem de puras decisões individuais, fazendo com que o foco das políticas públicas se concentrem em ações de controlo, iludindo as evidências científicas que tem mostrado a forma como a indústria tem vindo a influenciar as decisões políticas de forma a defender os seus interesses.(aqui)


Perante esta realidade há que conhecer melhor os determinantes políticos e comerciais da saúde e trabalhar a todos os níveis para que os diferentes setores da administração e da sociedade civil possam desde o nível individual até um nível mais global promover e favorecer hábitos saudáveis e a cidadania. 

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A SAÚDE HUMANA, QUALIDADE DO AR E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Resultado de imagem para changing in the air harvard fallA “HARVARD PUBLIC HEALTH MAGAZINE” do Outono (aqui) editada pela HARVARD T.H. CHAN SCHOOL OF PUBLIC HEALTH publica uma importante reportagem intitulada “Changing in the Hair” onde se descrevem um conjunto de investigações sobre a ação das mudanças climáticas na qualidade do ar, interior e exterior, desenvolvidas por aquela escola.
Na primeira das experiências os cientistas da Harvard T.H. Chan School of Public Health, simularam as condições atmosféricas previstas no final do século XX e estudaram a sua previsível ação sobre as culturas de soja, de trigo, de arroz e de milho, concluindo que retém menos micronutrientes essenciais, como minerais de zinco e ferro, minerais essências para a saúde humana.

If global emissions and concomitant climate change continue at current rates, by 2050 hundreds of millions of people who depend on these staple crops for nutrition—especially in poorer societies where meat is rarely consumed—could suffer devastating health problems, from stunted growth to diminished cognitive function.”
Source: “Climate change, indoor environments, and health,” Indoor Air, 2012.
Na segunda das experiências os investigadores estudaram a ação das mudanças climáticas na qualidade do ar interior, bem como a sua ação sobre os materiais usados no interior das casas, sejam nos materiais de construção utilizados seja no mobiliário interior, e os seus efeitos sobre a saúde das pessoas.

Climate change exacerbates the peril. Toxic fumes and carcinogens often leach out of common materials used in furniture, paint, and construction. Alone, these chemicals include known carcinogens, asthma-inducing substances, and endocrine disrupters, posing significant health risks.”

De acordo com os investigadores a solução para estes problemas passa por reduzir as emissões que estimulam as mudanças climáticas e eliminar os materiais prejudiciais dos interiores das habitações.

domingo, 29 de outubro de 2017

QUANDO OS INTERESSES DA INDÚSTRIA QUÍMICA PREVALECEM SOBRE A SAÚDE E A SEGURANÇA DAS PESSOAS


Ao longo dos últimos meses a imprensa americana tem dado relevo aos protestos das comunidades médica e científica americanas (aqui) (aqui)contra a decisão da administração Trump em autorizar a utilização do pesticida (aqui) “chlorpyrifos- CPSquer nas culturas agrícolas (soja, couves de bruxelas, frutos vermelhos, brócolos, couve-flor, nogueiras e árvores de fruto), quer nas atividades não agrícolas (campos de golfe, relvados, e tratamentos de madeira utilizada em casas de jardim e postes de vedação), contrariando a posição da Agência de Protecção Ambiental dos EUA ( United States Environmental Protection Agency) tomada em 2015 durante a administração Obama de banir o uso deste organofosforado nas atividades agrícolas exteriores.

O pesticida “chlorpyrifos- CPS” desenvolvido pela Dow Chemical Company e colocado no mercado desde 1965, pertence à classe dos pesticidas, compostos químicos desenvolvidos no princípio do século XX pela IG Farben (aqui), um conglomerado de empresas químicas alemãs, e utilizados pela Alemanha Nazi como armas químicas para exterminar os prisioneiros do campo de concentração.
Resultado de imagem para legacy brain new york times
Imagem de  Bradley Peterson, via New York Times
As partes coloridas da imagem as áreas do cérebro de uma criança ffisicamente alterado após a exposição a este pesticida.
Utilizado desde os anos 50 no interior das habitações como componente de insecticidas, o pesticida “chlorpyrifos- CPS” foi banido desta utilização no ano 2000, uma vez que estudos em humanos e animais demonstraram que a sua sua utilização provocava danos no cérebro e sistema nervoso, estando associado ao cancro do pulmão (aqui)(aqui).

Esta decisão da administração vista com preocupação pelos profissionais de saúde e pelos cientistas (aqui)(aqui), é um sinal do alinhamento do Presidente Trump com os intereses do lobby da indústria química, o American Chemistry Council, uma espécie de versão atual do Big Tobacco, acusada de manipular os cidadãos através da criação de uma organização denominada Citizens for Fire Safety, que tinha como objetivo pressionar a utilização de produtos químicos nos sofás para retardar incêndios domésticos. Tudo para salvar vidas, é claro.



A escolha política da administração Trump foi clara, no futuro “ Americans will be caring for victims of the chemical industry’s takeover of safety regulation”.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

GRENFELL TOWER - DAR VOZ AOS QUE NÃO TEM VOZ - OS DETERMINANTES POLITICOS DA SAÚDE

Às 2.20 da madrugada do dia 15 de abril de 1912, o inafundável, RMS Titanic mergulhava no Atlântico Norte arrastando para a morte perto de 1500 pessoas. Em apenas 3 horas o RMS Titanic, o estado da arte da tecnologia da época, um gigante de 269 metros de comprimento, com cerca de 52.310 toneladas, equipado com um sistema de compartimentos estanques afundava-se no oceano antes que o navio de resgate SS Carpathia pudesse alcança-lo. No RMS Titanic, seguiam 1316 passageiros, distribuídos pela 1.ª classe (325), 2.ª classe (285) e 3.ª classe (706) e cerca de 900 tripulantes. No naufrágio faleceram cerca de 2/3 do total de pessoas embarcadas, 76% (673) dos elementos da tripulação, 76% dos passageiros da 3.ª classe, mas apenas 39% dos passageiros da 1.ª classe.(aqui)(aqui)

14 Junho de 2017, às 00.54 horas, no norte de Kensington, periferia de uma das áreas mais ricas da cidade de Londres (Kensington and Chelsea), deflagra um incêndio numa torre de apartamentos de habitação social, com 24 andares, construída em 1974, causando a morte confirmada de pelo menos 80 pessoas,120 de acordo com o grupo de moradores Grenfell United.(aqui)

Situada numa das periferias mais pobres de Inglaterra, a Grenfell Tower, alojava residentes de baixos rendimentos e imigrantes vindos do Sudão, da Eritreia ou da Síria. Em 2013 tinha sofrido um processo de remodelação conduzido pelas autoridades locais (Kensington and Chelsea Tenant Management Organization), que decorreu até 2015. Remodelação fortemente contestada pelos moradores, (Grenfell Action Group) que denunciarem as falhas de segurança da operação de remodelação, chamando a atenção para a colocação exterior de canos de gás, para a ausência de um sistema de dispersores de água contra incêndios (sprinklers) e para o revestimento exterior da torre. (aqui)(aqui)

Agora como por ocasião do furacão Katrina em Nova Orleans, as perguntas começaram a surgir desde o início da tragédia: Podia ter sido previsto? Porque é que as vítimas se concentram entre os mais pobres e os mais desfavorecidos? Porque é que os avisos dos moradores foram ignorados? Quem foi responsável pelos cortes nos orçamentos? E à medida que as horas passavam, novas perguntas surgiam: Como podiam os responsáveis políticos ser tão insensíveis perante o sofrimento? Porque tantas advertências foram ignoradas? (aqui) (aqui)

À medida que se conheciam os contornos da tragédia, se conheciam as respostas das autoridades, e se confirmavam as denúncias dos moradores, iniciava-se um debate acerca das responsabilidades do desastre, trazendo à superfície os determinantes políticos do problema. (aqui)

Em Londres, tal como em Nova Orleans onde a maioria dos que não puderam escapar eram pobres e migrantes que viviam em comunidades historicamente desfavorecidas. A maioria eram afro-americanos que não tiveram condições nem acesso a transporte que os evacuasse.
Perante estas circunstâncias, anteriormente descritas, qual deve ser o papel dos profissionais de saúde e em particular dos que se dedicam à saúde pública, devem remeter-se apenas à ajuda das vítimas, ficar ausentes do debate dos determinantes políticos da catástrofe, ou devem erguer as suas vozes para exigir dos poderes, dos que estabelecem a agenda da comunicação, o ataque das causas das causas, os determinantes políticos da saúde.(aqui)


Devem seguir o exemplo do British Medical Journal, que no seu editorial de 20 de junho, desafiava os profissionais de saúde a tomarem partido. “In response, public health professionals must make the invisible visible. They must emulate those who asked why 76% of third class passengers on the Titanic perished but only 39% of those in first class, those who showed that inequality is “killing people on a grand scale”, and those who measured then exposed the human cost of austerity. They must also make visible the often hidden corporate determinants of health, such as the tactics used by tobacco, food, and alcohol industries in subverting healthy public policies.” (aqui)

Devem inspirar-se no exemplo de Rudolf Virchow, quando em 1848, perante a necessidade de encontrar as causas para uma epidemia de tifo na Alta Silésia, descobriu que as verdadeiras causas para a epidemia de tifo eram as condições miseráveis em que a população polaca vivia, concluindo que “as causas eram sociais, políticas e económicas mais do que biológicas e físicas”, que a epidemia devia ser vista, como uma manifestação do desajustamento social e cultural, “Se a doença é uma expressão de vida individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser indicativa de distúrbios em maior escala na vida das pessoas“. Para Virchow “a medicina é uma ciência social e a política nada mais é que a medicina em grande escala”. (aqui)

domingo, 5 de março de 2017

"SYNDEMIC" - MAIS QUE UMA NOVA PALAVRA - A SAÚDE NO SEU CONTEXTO

No início dos anos 90, Merrill Singer, investigador e professor de antropologia médica e saúde pública na Universidade de Connecticut, introduziu o termo “syndemic” para referir-se ao conjunto de problemas de saúde e sociais, que se influenciavam uns aos outros entre as populações pobres dos centros urbanoss, afetadas pelo HIV/SIDA, a violência e o abuso de substâncias (SAVA), definindo-o como: «… we have urged the use of the term “syndemic” to call attention to the synergistic nature of the health and social problems facing the poor and underserved» ou «we have introduced the term “syndemic” to refer to the set of synergistic or intertwined and muttualy enhancing health and social problems faning the urban poor. Violence, substance abuse, AIDS, in this sense, are not concurrent in that are not completely separable phenomena» (aqui).
Syndemic - Lancet Serie 
Ao longo dos anos o modelo “syndemic” foi-se desenvolvendo, tendo a perspetiva “syndemic” sido utilizada pelo CDC dos Estados Unidos (Centers for Disease Control and Prevention) na abordagem dos principais problemas de saúde pública, tanto ao nível dos programas públicos como da formação dos profissionais de saúde através da “Syndemics Prevention Network” criada para o efeito.
Tudo isto vem a propósito da publicação pela Revista Lancet de 04 de março, de uma “Serie” dedicada ao modelo e à abordagem “Syndemic” (aqui), explicando os importantes contrastes entre as abordagens convencionais baseadas no conceito da multimorbilidade e a abordagem “syndemic” e explorando a forma como o modelo “syndemic” pode ser utilizado para combater as desigualdades em saúde e permitir aos clínicos a prática de uma medicina ancorada na compreensão do contexto social e da interação deste com as doenças ou problemas de saúde, indo para além da comorbilidade ou da multimorbilidade.
No conjunto de artigos agora publicados na “Syndemic Serie” podemos perceber o conceito, a abordagem e o léxico do modelo “syndemic” em particular nos artigos "Syndemics and the biosocial conception of health" e "Non-communicable disease syndemics: poverty, depression, and diabetes among low-income populations"
Como vimos anteriormente o primeiro conceito “syndemic” identificado, e estudado, foi o SAVA, acrónimo em língua inglesa para ocorrência de “ abuso de substâncias, violência e SIDA” em comunidades pobres e desfavorecidas das zonas urbanas, com o tempo foi possível perceber que o conceito “syndemic” não se limitava às doenças infeciosas mas se alargava às doenças crónicas, ocorrendo por exemplo quando existem interações entre a diabetes, a obesidade, problemas de saúde mental, a pobreza, a migração, a discriminação, a exposição crónica ou aguda a traumas, incluindo a violência e as condições socioeconómicas de privação.
Considerando os autores como critérios para “Syndemic”, palavra não existente nos dicionários de língua portuguesa mas frequentemente usada na literatura científica em português do Brasil como “sindemia” (aqui):
1.      Duas (ou mais) doenças ou condições de saúde que se agrupam numa população específica;
2.      Fatores sociais ou contextuais criando condições para agrupar duas (ou mais doenças) ou condições de saúde;
3.      Do agrupamento de doenças resultem interações adversas de doenças ou condições de saúde, tanto a nível biológico, social ou comportamental, aumentando a carga de doença das populações afetadas.
Syndemics and the biosocial conception of health
A abordagem “sindémica” ao reconhecer como esses fatores interagem mutuamente promovendo resultados adversos para a saúde, permite ir muito mas além dos conceitos de multimorbilidade ou de doença específica, quando é necessário explicar como é que as condições económicas e sociais promovem e exacerbam este “cluster” de doenças, “Syndemics provide a tool for empirically evaluating how health statuses of multi-morbidity arise in a population, and what health interventions might be most effective for mitigating them.”
Non-communicable disease syndemics: poverty, depression, and diabetes among low-income populations

domingo, 20 de novembro de 2016

NOVAS REVELAÇÕES SOBRE O GLASGOW EFFECT/EFEITO DE GLASGOW - PLANEAMENTO URBANO, CAPITAL SOCIAL E DÉFICE DEMOCRÁTICO

Um recente trabalho do Glasgow Centre for Population Health, da University of the West of Scotland e do University College London “ History, politics and vulnerability: explaining excess mortality in Scotland and Glasgow” (aqui) resume toda a investigação publicada, cerca de 40 trabalhos, acerca do denominado “efeito de Glasgow”, procurando encontrar as causas para o “excesso” de mortalidade verificado na Escócia (mais 5.000 mortes) em comparação com a mortalidade encontrada na Inglaterra e no País de Gales, ajustadas as diferenças de pobreza e privação.
Este excesso de mortalidade é particularmente acentuado em Glasgow, não sendo explicado apenas pelos elevados níveis de pobreza quando comparado com o verificado em cidades comparáveis como Liverpool e Manchester.


O estudo revela que para além da privação e da pobreza resultantes da desindustrialização “the loss of industrial jobs expressed in relation to the size of the industrial employment base in 1931) was 47% in Scotland compared with 30% in England” da Escócia e da cidade de Glasgow, o excesso de mortalidade verificado em comparação com as cidades de Liverpool, Manchester e Belfast, resulta de uma política urbana desenvolvida entre 1945 – 1980, que favoreceu a deslocação da população mais jovem e mais qualificada, o «skimming the cream», os “melhores cidadãos” para novas cidades nos arredores de Glasgow, como Cumbernauld (1955), Livingston (1962) and Irvine (1966), enquanto em Glasgow eram deixados os pobres, os mais velhos e a população desempregada, muitas vezes alojados em bairros sociais construídos em altura, como reconhecia o Scottish Office em 1970 “ Glasgow is in a socially… [and] economically dangerous position. The position is becoming worse because, although the rate of population reduction… is acceptable, the manner of it is destined within a decade or so to produce a seriously unbalanced population with a very high proportion of the old, the very poor and the almost unemployable…”, seguida nos anos seguinte por uma política de desenvolvimento urbano sustentada no lema “that “what’s good for business is good for Glasgow”, que levou ao aparecimento duma cidade dual, onde as zonas pobres, os bairros sociais isolados, ficarm sujeitas à degradação e ao baixo investimento público em conservação e manutenção. 

A par destas políticas urbanas, os autores do estudo identificam ainda duas outras explicações para a uma maior vulnerabilidade da população de Glasgow, o capital social e o défice democrático.


domingo, 16 de outubro de 2016

CAPACITAÇÃO, EMPODERAMENTO E SAÚDE - 30 ANOS DEPOIS DA CARTA DE OTTAWA

Este ano cumpre-se o 30.º aniversário da primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa em 21 de Novembro de 1986 (aqui), sob a égide da Organização Mundial de Saúde e do seu secretário-geral Halfdan Mahler, dando continuidade à agenda da 29.ª Assembleia Mundial de Saúde, de 1976 e à Conferência de Alma-Ata de 1979, onde foram introduzidas as ideias de cuidados de saúde primários e de “ Saúde para Todos no Ano 2000” (aqui).

No Canadá em 1986, foi aprovada a chamada Carta de Ottawa, considerada hoje por muitos como o “gold standard” da promoção da saúde. A declaração de Ottawa providenciou uma definição positiva de saúde (algo a alcançar, ao contrário de algo a ser evitado) e encorajou uma abordagem cooperativa para a promoção da saúde que procura promover a saúde através de mudanças nos determinantes socias da saúde.

A Carta de Ottawa delimitou três estratégias para a promoção da saúde: advogar, capacitar e mediar. Estratégias que deveriam ser aplicadas em 5 áreas de ação: construir políticas saudáveis; criar ambientes favoráveis; reforçar a ação comunitária; desenvolver competências pessoais e reorientar os serviços de saúde em direção ao futuro e para além do setor da saúde.

Apesar de ter decorrido numa época de viragem na cena internacional, com a implementação das políticas de ajustamento neoliberais iniciadas nos anos 80 levando ao início de uma nova era em que a economia tomou conta das políticas sociaisprimacy of economic over social policies (often referred to as neoliberalism), charity versus entitlements, and concepts of liberty”, a Carta de Ottawa introduziu 4 grandes áreas de inovação: a definição positiva de saúde orientada para a promoção de saúde, e para a ação no sentido de melhorar as condições de vida das pessoas e a equidade em saúde; a saúde como um produto da vida para o qual são necessários pré-requisitos (paz, abrigo, educação, alimentação, recursos económicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade); proposição de valores e princípios fundamentais que conduzem à saúde (participação, capacitação, equidade, holismo, abordagem intersectorial, estratégias múltiplas).

30 Anos passados, e no ano em que decorrem múltiplos eventos para celebrar a Carta de Ottawa(aqui) (aqui) (aqui) (aqui), importa discutir a promoção da saúde enquanto processo de empoderamento das pessoas, tanto a nível individual como coletivo, para puderem ter mais controlo sobre as suas vidas, à luz das mudanças ocorridas nas últimas 3 décadas.

Nas últimas décadas o mundo foi marcado por profundas alterações económicas e sociais, marcadas pela globalização, pela liberalização dos mercados financeiros e dos fluxos internacionais do capital (controlo da inflação, credito barato, “financeirização”), com um aumento do poder das empresas e uma concentração do poder económico privado. De acordo com o relatório “The political origins of health inequity: prospects for changeda Comissão Lancet - Universidade de Oslo sobre a Governança Global de Saúde intitulado , « With globalisation, health inequity increasingly results from transnational activities that involve actors with different interests and degrees of power:states, transnational corporations, civil society, and others. The decisions, policies, and actions of such actors are, in turn, founded on global social norms. Their actions are not designed to harm health, but can have negatives hide effects that create health inequities. The norms, policies, and practicesthat arise from global political interaction across all sectors that affect health are what we call global political determinants of Health».

Estas mudanças obrigam a que a capacitação, das pessoas e das comunidades, tenham de ter em conta quer os determinantes sociais da saúde, e aquilo que Ilona Kickbusch chama “os determinantes políticos da saúde”.

Nas palavras de Ilona Kickbush, no Editorial do BMJ de janeiro de 2015,(aqui)a Saúde é uma escolha política e “… and politics is a continuous struggle for power among competing interests. Looking at health through the lens of political determinants means analysing how different power constellations, institutions, processes, interests, and ideological positions affect health within different political systems and cultures and at different levels of governance”. De acordo com Clare Bambra (aqui)a saúde é política « Health, like almost all other aspects of human life, is political in numerous ways» por três principais razões: “ ● Health is political because, like any other resource or commodity under a neo-liberal economic system, some social groups have more of it than others; ● Health is political because its social determinants are amenable to political interventions and are thereby dependent on political action (or more usually, inaction); ● Health is political because the right to ‘a standard of living adequate for health and wellbeing (United Nations, 1948) is, or should be, an aspect of citizenship and a human right.”

O aparecimento destes novos desafios para o campo da promoção da saúde não rejeita a importância da Carta de Ottawa. Pelo contrário, ela continua a confirmar a sua visão, a orientação para ação e os valores da promoção da saúde nos dias de hoje.

Os desafios para avançar com a agenda da promoção da saúde devem ter em conta os aspetos atrás realçados, uma vez que a falta poder, de influência e de controlo dos cidadãos e das comunidades sobre as suas vidas geram uma das principais causas de morte e de doença, a falta de EMPODERAMENTO.