domingo, 16 de outubro de 2016

CAPACITAÇÃO, EMPODERAMENTO E SAÚDE - 30 ANOS DEPOIS DA CARTA DE OTTAWA

Este ano cumpre-se o 30.º aniversário da primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa em 21 de Novembro de 1986 (aqui), sob a égide da Organização Mundial de Saúde e do seu secretário-geral Halfdan Mahler, dando continuidade à agenda da 29.ª Assembleia Mundial de Saúde, de 1976 e à Conferência de Alma-Ata de 1979, onde foram introduzidas as ideias de cuidados de saúde primários e de “ Saúde para Todos no Ano 2000” (aqui).

No Canadá em 1986, foi aprovada a chamada Carta de Ottawa, considerada hoje por muitos como o “gold standard” da promoção da saúde. A declaração de Ottawa providenciou uma definição positiva de saúde (algo a alcançar, ao contrário de algo a ser evitado) e encorajou uma abordagem cooperativa para a promoção da saúde que procura promover a saúde através de mudanças nos determinantes socias da saúde.

A Carta de Ottawa delimitou três estratégias para a promoção da saúde: advogar, capacitar e mediar. Estratégias que deveriam ser aplicadas em 5 áreas de ação: construir políticas saudáveis; criar ambientes favoráveis; reforçar a ação comunitária; desenvolver competências pessoais e reorientar os serviços de saúde em direção ao futuro e para além do setor da saúde.

Apesar de ter decorrido numa época de viragem na cena internacional, com a implementação das políticas de ajustamento neoliberais iniciadas nos anos 80 levando ao início de uma nova era em que a economia tomou conta das políticas sociaisprimacy of economic over social policies (often referred to as neoliberalism), charity versus entitlements, and concepts of liberty”, a Carta de Ottawa introduziu 4 grandes áreas de inovação: a definição positiva de saúde orientada para a promoção de saúde, e para a ação no sentido de melhorar as condições de vida das pessoas e a equidade em saúde; a saúde como um produto da vida para o qual são necessários pré-requisitos (paz, abrigo, educação, alimentação, recursos económicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade); proposição de valores e princípios fundamentais que conduzem à saúde (participação, capacitação, equidade, holismo, abordagem intersectorial, estratégias múltiplas).

30 Anos passados, e no ano em que decorrem múltiplos eventos para celebrar a Carta de Ottawa(aqui) (aqui) (aqui) (aqui), importa discutir a promoção da saúde enquanto processo de empoderamento das pessoas, tanto a nível individual como coletivo, para puderem ter mais controlo sobre as suas vidas, à luz das mudanças ocorridas nas últimas 3 décadas.

Nas últimas décadas o mundo foi marcado por profundas alterações económicas e sociais, marcadas pela globalização, pela liberalização dos mercados financeiros e dos fluxos internacionais do capital (controlo da inflação, credito barato, “financeirização”), com um aumento do poder das empresas e uma concentração do poder económico privado. De acordo com o relatório “The political origins of health inequity: prospects for changeda Comissão Lancet - Universidade de Oslo sobre a Governança Global de Saúde intitulado , « With globalisation, health inequity increasingly results from transnational activities that involve actors with different interests and degrees of power:states, transnational corporations, civil society, and others. The decisions, policies, and actions of such actors are, in turn, founded on global social norms. Their actions are not designed to harm health, but can have negatives hide effects that create health inequities. The norms, policies, and practicesthat arise from global political interaction across all sectors that affect health are what we call global political determinants of Health».

Estas mudanças obrigam a que a capacitação, das pessoas e das comunidades, tenham de ter em conta quer os determinantes sociais da saúde, e aquilo que Ilona Kickbusch chama “os determinantes políticos da saúde”.

Nas palavras de Ilona Kickbush, no Editorial do BMJ de janeiro de 2015,(aqui)a Saúde é uma escolha política e “… and politics is a continuous struggle for power among competing interests. Looking at health through the lens of political determinants means analysing how different power constellations, institutions, processes, interests, and ideological positions affect health within different political systems and cultures and at different levels of governance”. De acordo com Clare Bambra (aqui)a saúde é política « Health, like almost all other aspects of human life, is political in numerous ways» por três principais razões: “ ● Health is political because, like any other resource or commodity under a neo-liberal economic system, some social groups have more of it than others; ● Health is political because its social determinants are amenable to political interventions and are thereby dependent on political action (or more usually, inaction); ● Health is political because the right to ‘a standard of living adequate for health and wellbeing (United Nations, 1948) is, or should be, an aspect of citizenship and a human right.”

O aparecimento destes novos desafios para o campo da promoção da saúde não rejeita a importância da Carta de Ottawa. Pelo contrário, ela continua a confirmar a sua visão, a orientação para ação e os valores da promoção da saúde nos dias de hoje.

Os desafios para avançar com a agenda da promoção da saúde devem ter em conta os aspetos atrás realçados, uma vez que a falta poder, de influência e de controlo dos cidadãos e das comunidades sobre as suas vidas geram uma das principais causas de morte e de doença, a falta de EMPODERAMENTO.

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