O Brasil
era até ao início dos anos 90, conhecido por ser um país historicamente desigual,
sendo o índice de Gini no ano de 1989 de 63 e o segundo mais alto do mundo.
Durante a década de 90 os níveis de desigualdade começaram a cair a um ritmo
assinalável ultrapassando os níveis de descida registados para os restantes
países da América Latina e Caraíbas, atingindo o índice de Gini o valor de 51
em 2014, 19% mais baixo do que em 1989. Verificando-se uma descida assinalável
entre os anos de 2000 e 2014, que permitiu que 26.5 milhões de brasileiros saíssem
da pobreza.
De acordo
com dados do Banco Mundial, a percentagem da população que vivia em pobreza extrema (US $ 1,9/dia) diminuiu em quase ¾ passando de 20.6% em 1990 para 3.9%
em 2013, um diminuição ainda maior ocorreu na mortalidade antes dos 5 anos,
passando de 60.8/1.000 em 1990 para 16.2/1.000 em 2013. A prevalência de
crianças com baixo peso foi reduzida para metade (de 4,5% para 2.2%), e a
proporção da população sem acesso a água potável diminuiu em ¾ passando de 11%
para menos de 3%. A esperança média de vida ao nascer passou de 66.5 anos em
1990 para de 73,9 em 2013, comparando favoravelmente com os países do seu grupo
rendimento.
Apesar do
Brasil continuar a ser um dos países mais desiguais no mundo (15.º), os imensos
progressos conseguidos nos últimos anos são considerados pelas agências
internacionais de enorme sucesso, atribuindo o Banco Mundial 60% desta redução
ao aumento do rendimento das famílias brasileiras, devido ao crescimento e os 40%
restantes às melhorias verificadas na distribuição de renda entre os
brasileiros.
Com a restauração
da democracia em 1985 e a aprovação da Constituição de 1988, o Brasil passou a
dispor de uma lei fundamental que garante à população, os direitos sociais
básicos, a educação pública e gratuita, os cuidados de saúde universais, a
assistência social e o sistema de pensões, de que é exemplo a criação do
Sistema Único de Saúde. O controlo da inflação nos anos 90, o crescimento das “
commodities” na década de 2000, num quadro macroeconómico externo favorável às
exportações, impulsionou o crescimento económico e a dinâmica do mercado de
trabalho. As políticas sociais implementadas pelos governos de Lula da Silva, impulsionaram
os rendimentos dos mais pobres e reduziram as desigualdades.
De acordo
com o último relatório do Banco Mundial publicado em 2016, "Poverty and Shared Prosperity 2016: Taking on Inequality" esses 2 fatores foram
responsáveis pela redução das desigualdades entre 2003 e 2013 em cerca de 80%,
41% pelos rendimentos do trabalho e 39% pelas políticas sociais.
Em termos
de mercado de trabalho, verificou-se uma diminuição entre a diferença salarial
entre trabalhadores qualificados e não qualificados, aumentando a oferta de
trabalhadores qualificados, graças à melhoria da escolaridade (4 em cada 10
trabalhadores em 2010 tinha 11 anos ou mais de escolaridade, o dobro da verificada
em meados dos anos 90) e o crescimento do mercado de trabalho em setores, como
a construção que absorveu muitos trabalhadores menos qualificados. Cresceu o emprego
formal e o salário mínimo sem provocar distorções do mercado de trabalho segundo o Banco
Mundial, permitindo a redução nas diferenças salariais, tendo em conta o sexo, a
raça e desigualdade espacial.
No âmbito
das políticas sociais, o governo promoveu o acesso: à energia elétrica (quase
universal até 2014), através do programa de eletrificação rural Luz para Todos,
que forneceu luz a 15.2 milhões de pessoas (iniciado em 2004); à rede de esgotos
(os 40% das famílias mais pobres passaram de 33% para 43% de cobertura); à
escolaridade primária (2014 perto de universal); ao Bolsa Família “Brazil’s
flagship conditional cash transfer (CCT) program”, responsável entre 2004 e
2014, por 10 a 15% da redução da pobreza, atingindo 56 milhões de pessoas e ainda a título de exemplo o Benefício de Prestação
Continuada, dirigido aos idosos e deficientes. De acordo
com relatório o Brasil tem ainda espaço para uma melhoria significativa do seu
sistema fiscal, permitindo melhorar a sua eficiência, a sua progressividade e o
seu sistema de transferências.
No entanto,
com a mudança na economia global, o fim do boom dos preços das "commodities", e
as mudanças políticas verificadas nos últimos anos, com a chegada ao poder
de forças conservadoras, no meio da instabilidade política criada com a
destituição da presidente Dilma Roussef, os ventos deixaram de ser favoráveis à continuação
da redução das desigualdades.
Assim não
foi preciso aguardar muito tempo para o que o Governo pelo Presidente Temer viesse
apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 241) com o objetivo de limitar
as despesas com saúde, educação, assistência social e previdência, nos próximos
20 anos (aqui). Esta proposta amplamente contestada pelas organizações de saúde, como
a ABRASCO, a Rede de Escolas de Saúde Pública do Brasil, a FIOCRUZ ou o Conselho Nacional de Saúde, a ser aprovada, é na opinião do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (aqui) um rude golpe para o SUS e para a política de combate às
desigualdades “… fica claro que a PEC 241 impactará negativamente o financiamentoe a garantia do direito à saúde no Brasil. Congelar o gasto em valores de 2016, por vinte anos, parte do pressuposto equivocado de que os recursos públicos para a saúde já estão em níveis adequados para a garantia do acesso aos bens e serviços de saúde, e que a melhoria dos serviços se resolveria a partir de ganhos de eficiência na aplicação dos recursos existentes. Ademais, o congelamento não garantirá sequer o mesmo grau de acesso e qualidade dos bens e serviços à população brasileira ao longo desse período, uma vez que a população aumentará e envelhecerá de forma acelerada. Assim, o número de idosos terá dobrado em vinte anos, o que ampliará a demanda e os custos do SUS. Caso seja aprovada, a PEC 241 tam pouco possibilitará a redução das desigualdades na ofertade bens e serviços de saúde no território nacional. Não só não haverá espaço no orçamento para tanto, como o teto das despesas primárias, em um contexto de aumento acelerado das despesas previdenciárias, levaria a um processo de disputa das diversas áreas do governo por recursos cada vez mais escassos. Como o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, a redução do gasto com saúde e dos gastos com políticas sociais de uma forma geral afetará os grupos sociais mais vulneráveis, contribuindo para o aumento das desigualdades sociais e para a não efetivação do direito à saúde no país.”
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