Apesar da
“Carta europeia para a saúde do coração” reconhecer a doença cardiovascular
como “ uma condição multifatorial” e ser essencial “ que todos os determinantes
e fatores de risco sejam abordados tanto a nível social como a nível individual
”, a realidade tem demonstrado que grande parte da investigação epidemiológica
e das políticas públicas se têm concentrado nos fatores de risco a nível
individual, tanto comportamentais como biológicos, muitas vezes desligados dos
contextos sociais e ambientais, acabando por os valorizar e priorizar em
detrimento dos outros.
Esta
abordagem acaba por desembocar numa visão em que os fatores de risco
cardiovascular são uma questão de escolhas individuais ou um assunto dos
serviços de saúde, gerando um abordagem preventiva assente em duas estratégias
de abordagem individual: educação para a saúde e motivação das pessoas para
mudarem os seus hábitos individuais e a deteção precoce de fatores de risco e o
seu tratamento através dos serviços de saúde (campanhas para deteção e
tratamento da hipertensão arterial e do colesterol elevado.) (aqui)
No entanto,
é conhecida uma outra abordagem (aqui), desde a publicação de “Sick individuals and sick populations” de Geoffrey Rose nos anos 80, que destaca o fator
populacional e as diferenças na distribuição dos riscos dentro das populações e
entre elas, chamando a atenção para ação dos determinantes sociais sobre as
populações, “ a causa das causas”. Syme
no artigo “ The prevention of disease and promotion of health: the need for a new approach” publicado no European Journal of Public Health, chama a atenção
para a necessidade de uma abordagem populacional que tenha em conta as questões
sociais e ambientais “ The first problem is that after decades of epidemiologic
research, it has proven very difficult to identify disease risk factors...The
second problem is that even when we do identify disease risk factors, we have a
very difficult time in getting people to change their behavior. Many research
studies have shown that even when people know about risk factors for disease,
this often does not result in their changing behaviour to lower risk. Most behaviour
changes occur, in fact, in response to a variety of environmental and community
forces that constrain and modify behaviour...The third problem with our current
public health model, however, is the most challenging of all. Even if everyone
at risk did change their behaviour to lower their risk, new people would
continue to enter the at-risk population at an unaffected rate. This is because
we rarely identify and intervene on those forces in the community that cause
the problem in the first place. This is
a major issue for us in public health. If one of our goals is to prevent
disease and promote health, I do not think we can accomplish this mission by an
exclusive focus on individual diseases and risk factors.”
Vem tudo
isto a propósito do “esquecimento” sistemático dos determinantes sociais e
ambientais como fatores de risco cardiovascular e da contínua opção pelas
abordagens preventivas centradas no indivíduo em detrimento da abordagem
populacional e comunitária reveladas pelas autoridades de saúde (aqui) (aqui) e sociedades
científicas nacionais, de que são exemplos as ideias expressas em documentos da
Direção Geral de Saúde como “A Saúde dos Portugueses. Perspetiva 2015” (aqui)onde os
determinantes sociais são tratados de uma forma vaga, e sem qualquer sustentação
nacional «Os determinantes sociais constituem a principal abordagem de análise
de Saúde das populações. Pesquisas demonstraram a existência de um gradiente
social em função dos rendimentos familiares, isto é, relacionado com
desigualdades e iniquidades, em particular com as diferenças ocorridas entre
comunidades prósperas e pobres no que se refere, por exemplo, à esperança de
vida e outros indicadores (Marmot et Allen). Já em 1953, Arnaldo
Sampaio, num texto intitulado “A Saúde é Prosperidade”, afirmava “… A relação
entre pobreza e doença é flagrante (…) quanto mais pobre, mais doente, quanto
mais doente, mais pobre…” Outros determinantes sociais em interação com a
classe social são condicionantes do estado de Saúde das populações, como o
género, por exemplo.», ou na página “Eu Amo Viver” da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a
contrário da evidência publicada nos últimos anos e bem expressa por Ana Diez Roux no artigo seminal “ Residential Environments and Cardiovascular Risk” publicado em 2003 no Journal of Urban
Health: Bulletin of the New York Academy of Medicine, e nas suas vias de
relacionamento entre os “residential environments” e os fatores de risco
cardiovascular.
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