domingo, 9 de outubro de 2016

RISCO CARDIOVASCULAR - MAIS ALÉM DA ABORDAGEM INDIVIDUAL

Apesar da “Carta europeia para a saúde do coração” reconhecer a doença cardiovascular como “ uma condição multifatorial” e ser essencial “ que todos os determinantes e fatores de risco sejam abordados tanto a nível social como a nível individual ”, a realidade tem demonstrado que grande parte da investigação epidemiológica e das políticas públicas se têm concentrado nos fatores de risco a nível individual, tanto comportamentais como biológicos, muitas vezes desligados dos contextos sociais e ambientais, acabando por os valorizar e priorizar em detrimento dos outros.

Esta abordagem acaba por desembocar numa visão em que os fatores de risco cardiovascular são uma questão de escolhas individuais ou um assunto dos serviços de saúde, gerando um abordagem preventiva assente em duas estratégias de abordagem individual: educação para a saúde e motivação das pessoas para mudarem os seus hábitos individuais e a deteção precoce de fatores de risco e o seu tratamento através dos serviços de saúde (campanhas para deteção e tratamento da hipertensão arterial e do colesterol elevado.) (aqui)

No entanto, é conhecida uma outra abordagem (aqui), desde a publicação de “Sick individuals and sick populations” de Geoffrey Rose nos anos 80, que destaca o fator populacional e as diferenças na distribuição dos riscos dentro das populações e entre elas, chamando a atenção para ação dos determinantes sociais sobre as populações, “ a causa das causas”. Syme no artigo “ The prevention of disease and promotion of health: the need for a new approach” publicado no European Journal of Public Health, chama a atenção para a necessidade de uma abordagem populacional que tenha em conta as questões sociais e ambientais “ The first problem is that after decades of epidemiologic research, it has proven very difficult to identify disease risk factors...The second problem is that even when we do identify disease risk factors, we have a very difficult time in getting people to change their behavior. Many research studies have shown that even when people know about risk factors for disease, this often does not result in their changing behaviour to lower risk. Most behaviour changes occur, in fact, in response to a variety of environmental and community forces that constrain and modify behaviour...The third problem with our current public health model, however, is the most challenging of all. Even if everyone at risk did change their behaviour to lower their risk, new people would continue to enter the at-risk population at an unaffected rate. This is because we rarely identify and intervene on those forces in the community that cause the problem in the first place. This is a major issue for us in public health. If one of our goals is to prevent disease and promote health, I do not think we can accomplish this mission by an exclusive focus on individual diseases and risk factors.”


Vem tudo isto a propósito do “esquecimento” sistemático dos determinantes sociais e ambientais como fatores de risco cardiovascular e da contínua opção pelas abordagens preventivas centradas no indivíduo em detrimento da abordagem populacional e comunitária reveladas pelas autoridades de saúde (aqui) (aqui) e sociedades científicas nacionais, de que são exemplos as ideias expressas em documentos da Direção Geral de Saúde como “A Saúde dos Portugueses. Perspetiva 2015” (aqui)onde os determinantes sociais são tratados de uma forma vaga, e sem qualquer sustentação nacional «Os determinantes sociais constituem a principal abordagem de análise de Saúde das populações. Pesquisas demonstraram a existência de um gradiente social em função dos rendimentos familiares, isto é, relacionado com desigualdades e iniquidades, em particular com as diferenças ocorridas entre comunidades prósperas e pobres no que se refere, por exemplo, à esperança de vida e outros indicadores (Marmot et Allen). Já em 1953, Arnaldo Sampaio, num texto intitulado “A Saúde é Prosperidade”, afirmava “… A relação entre pobreza e doença é flagrante (…) quanto mais pobre, mais doente, quanto mais doente, mais pobre…” Outros determinantes sociais em interação com a classe social são condicionantes do estado de Saúde das populações, como o género, por exemplo.», ou na página “Eu Amo Viver”  da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a contrário da evidência publicada nos últimos anos e bem expressa por Ana Diez Roux no artigo seminal “ Residential Environments and Cardiovascular Risk” publicado em 2003 no Journal of Urban Health: Bulletin of the New York Academy of Medicine, e nas suas vias de relacionamento entre os “residential environments” e os fatores de risco cardiovascular.





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