sábado, 16 de março de 2019

O IMPACTO DA DESIGUALDADE DE GÉNERO NA SAÚDE


Nos últimos dias e a propósito do Dia Internacional da Mulher muito se falou das desigualdades de género ao longo da vida em Portugal e um pouco por todo o mundo.

Mas antes de abordarmos as desigualdades de género e saúde, vale a pena lembrar as raízes operárias da celebração deste dia, voltando à Nova Iorque de 1909 ou à Conferência Internacional de Mulheres Trabalhadoras de 1910 onde Clara Zetkin apresentou a ideia de um Dia Internacional da Mulher, celebrado pela primeira vez no dia 8 de março de 1917 quando as mulheres russas iniciaram uma greve por "pão e paz" em resposta à morte de mais de 2 milhões de soldados russos na Primeira Guerra Mundial. Foi necessário esperar algumas décadas para que o Dia Internacional da Mulher fosse oficializado pelas Nações Unidas em 1975 (aqui), deixando progressivamente o seu caráter de classe para passar a ter um teor mais feminista.

As diferenças em saúde entre homens e mulheres não são apenas biológicas, são também diferenças resultantes da construção social dos diferentes valores, atitudes e condutas, assim como das diferenças no acesso aos recursos, ao mercado de trabalho e ao poder. Sexo e género são importantes determinantes de saúde, mas são frequentemente confundidos, como assume a Organização Mundial de Saúde «o sexo biológico e o género construído socialmente interagem para produzir diferentes riscos e vulnerabilidades para problemas de saúde e de doença e diferenças no comportamentos e nos resultados de saúde para mulheres ehomens, “género” descreve as características de mulheres e homens que são socialmente criadas, enquanto 'sexo' engloba aquelas que são biologicamente determinadas”.

Mas as desigualdades, entendidas como diferenças, não devem ser confundidas como “iniquidades” desigualdades desnecessárias, injustas e evitáveis, resultantes de fatores estruturais das sociedades patriarcais em que vivemos. Fatores estruturais como o acesso ao ensino, a participação no mercado de trabalho, a independência económica, o trabalho em casa e fora de casa, a tomada de decisões, a violência de género, as oportunidades económicas e o poder político são disto exemplos, sempre desfavoráveis às mulheres com reportam os relatórios da União Europeia e do Fórum Económico Mundial respetivamente “2018 Report one quality between women and men in the EU” e o “ The Global Gender Gap Report 2018”.

Apesar destas desigualdades sociais de género, sabemos que em todo o mundo as mulheres vivem 4,4 anos mais que os homens, e que esta diferença resulta sobretudo de fatores não biológicos. As evidências publicadas mostram que os homens adotaram ao longo dos últimos 100 anos comportamentos sociais nocivos para a saúde, percebidos como masculinos como o consumo do tabaco, do álcool e de substâncias ilícitas, comportamentos que conduzem ao risco de acidentes e de violência, provocando uma mortalidade prematura por cancro, por doenças respiratórias e por lesões decorrentes de acidentes e de atos violentos.

No entanto, e paradoxalmente quando analisamos indicadores de saúde e de qualidade de vida percebemos que as mulheres apresentam pior condição de saúde, têm mais doenças crónicas, mais dias de incapacidade, mais consultas médicas e internamentos hospitalares do que os homens, ou seja, vivem mais anos mas com pior saúde do que os homens. Resultados ainda mais negativos quando se consideram apenas as mulheres das classes sociais mais desfavorecidas, as que acumulam piores condições de trabalho, salários mais baixos e cargas de trabalho doméstico e familiar, mais pesadas.

No caso de Portugal, as mulheres (esperança de vida à nascença de 84,3) vivem mais 6,1 anos do que os homens (esperança de vida à nascença de 76,2) mas vivem menos anos com saúde, uma vez que aos 65 anos, as mulheres portuguesas têm uma esperança de vida de 21,8 anos, mas 71% deles serão vividos com limitações, enquanto os homens têm uma esperança de vida de 18 anos, mas 57% deles serão vividos com limitações. (aqui)

No que se refere à autoapreciação sobre o seu estado de saúde 48.9% (1.7 milhões) das mulheres dos 25 aos 74 anos inquiridas no INSEF (aqui) consideraram o seu estado de saúde bom ou muito bom, enquanto no estudo “ As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e como se sentem” publicado pela Fundação Manuel dos Santos e coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell as mulheres quando questionadas acerca do grau de felicidade que sentem com a saúde 41% declararam que se sentem felizes ou muito felizes com a saúde (41%) contra 39% que sentem infelizes (39%). Neste este último estudo os valores mínimos de felicidade com a saúde estão relacionados com as frentes que as mulheres têm na vida e com o peso (índice massa corporal), o valor mínimo, 5.4% regista-se entre as mulheres que têm só a frente “filhos/as”, seguido de 5.9% para o índice “obesidade” e 7.1% para o índice “peso baixo”.

Finalmente e no que se refere à violência de género, as estimativas da Organização Mundial de Saúde (aqui) apontam para que 1 em cada 3 mulheres em todo o mundo sofram de violência física ou sexual ao longo de vida, na maioria dos casos por parte do seu parceiro íntimo e que 38% dos assassinatos de mulheres em todo o mundo são cometidos pelo seu parceiro.

As mulheres são mais de metade do mundo mas continuam a ser discriminadas. Para combater esta discriminação necessitamos de um forte compromisso entre os cidadãos e a instituições, que ponham em prática os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável aprovados pelas Nações Unidades em 2015, uma vez que 1/5 dos objetivos fazem referência à igualdade de género, de forma a conseguirmos uma sociedade mais justa e igualitária.

1 comentário:

  1. Acho que na frase "Mas as desigualdades, entendidas como diferenças, não devem ser confundidas como “iniquidades” desigualdades desnecessárias, injustas e evitáveis, resultantes de fatores estruturais das sociedades patriarcais em que vivemos." o primeiro "como" deveria ser um "com". Assim parece que se estão a comparar desigualdades com iniquidades em vez de se contrastar os dois elementos.

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