domingo, 28 de agosto de 2016

TERRAMOTO DE AMATRICE - DESASTRE NATURAL OU SOCIAL

Na madrugada de 24 de agosto, pelas 03:36 horas, um sismo de 6.2 de magnitude na escala de Ritcher, fazia-se sentir no centro de Itália, na região de Lazio, na província de Rieti, atingindo em particular os municípios montanhosos de Amatrice, Accumoli e Arquata del Tronto, onde vive uma população envelhecida e de baixo rendimento. (aqui) Causando até ao dia de hoje 290 mortos, na sua maioria em Almatrice (230) em Amatrice, 49 em Arquato e 11 de Accumoli. (aqui)

260 Anos passaram sobre o terramoto de Lisboa, considerado como o “ primeiro” desastre natural da história moderna, um sismo de 9.0 na escala de Ritcher, seguido de um tsunami, causando entre 60.000 a 100.000 e a destruição de Lisboa.

Passaram quase três séculos sobre a discussão ocorrida em pleno “Século das Luzes”, acerca das causas de desastres naturais como responsabilidade de Deus (castigo de Deus), aqui sintetizadas na carta de Rousseau a Voltaire sobre a Providência em resposta às ideias expressas no poema de Voltaire «Poème sur le désastre de Lisbonne», “Sans quitter votre sujet de Lisbonne, convenez, par exemple, que la nature n’avoit point rassemblé là vingt mille maisons de six à sept étages, & que si les habitans de cette grande ville eussent été dispersés plus également & plus légérement logés, le dégât eût été beaucoup moindre & peut-être nul. Tout eût fui au premier ébranlement, & on les eût vus le lendemain à vingt lieues de-là tout aussi gais que s’il n’étoit rien arrivé” (aqui) e da abordagem moderna conduzida pelo primeiro-ministro de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo (aqui) , fazendo com que um Estado aceitasse pela primeira vez na história a responsabilidade das tarefas de busca e de resgate da população, ao mesmo tempo que desenvolvia um plano de reconstrução sustentado na descrição científica e objetiva das causas e consequências de um terramoto. (aqui)


Agora como há quase 300 anos, o procurador da república de Rieti, Giuseppe Saieva procura uma explicação para a ligação entre o “natural e o social”, afirmado ao jornal “La Repubblica” «Não, o que aconteceu não pode ser considerado como meramente o resultado de destino». (aqui)
Campanile di Amatrice
Ao longo dos anos, a investigação publicada mostram que os eventos classificados como “naturais” põem a nu as desigualdades que atravessam a sociedade. A partir do trabalho de Eric Klinenberg  (aqui)sobre os efeitos da Onda de Calor de Chicago em 1995, ficou claro que a “desnaturalização” dos desastres mostraram que muitas das consequências e dos efeitos ocorridos estão moldadas pelo contexto e pela organização social humana, não afetando todos da mesma maneira. Na revisão publicada na Plos: Currents Disasters " The Human Impact of Earthquakes: a Historical Review of Events 1980-2009 and Systematic Literature Review” foram encontradas desigualdades que afetam em particular as crianças, os idosos, e as populações mais desfavorecidas dos países mais pobres e das regiões mais pobres dos países de maior rendimento.


Parafraseando Leon Eisenberg no seu ensaio “Does social medicine still matter in an era of molecular medicine?” (aqui) « The developments in molecular biology highlight the salience of the social environment and underscore the urgency of rectifying inequity and injustice. All medicine is inescapably social medicine.», os desastres continuam a ser como Virchow nos ensinou, a serem sociais.