terça-feira, 5 de julho de 2016

HALFDAN MAHLER - 40 ANOS DA "GRANDE IDEIA" - CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS/PRIMARY HEALTH CARE

Em 1976, Halfdan Mahler, Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), introduziu na agenda da 29.ª Assembleia Mundial de Saúde, as ideias de cuidados de saúde primários e de “ Saúde para Todos no Ano 2000”, e em junho desse mesmo ano uma plataforma de organizações governamentais (aqui)“ Christian Medical Commission, the International Union against Tuberculosis, the League of Red Cross Societies, International Cooperation for Socio-economic Development, the International Planned Parenthood Federation and the International Federation of Anti-leprosy Associations” (que ao longos dos anos tinham desenvolvido projetos nos então chamados países do 3.º Mundo, descritos na publicação “ Health by the people” por um dos principais colaboradores de Mahler, Kenneth Newell) pôs em marcha um plano de acção para desbloquear as resistências às ideias do Diretor Geral, Halfdan Mahler e particular a ideia de que a saúde deve ser vista como um recurso para o desenvolvimento socioeconómico e não, apenas, como um subproduto do progresso económico.
Mas afinal quem era, Halfdan Mahler. Nas palavras Constantino Sakellarides no seu livro “De Alma a Herry: crónica da democratização da saúde” era “ … «uma força da natureza» … palavra decidida … um aspecto de visionário, determinado e enérgico (e) uma extraordinária capacidade de comunicação... um discurso directo e cortante, como importante componente de mobilização afectiva.”. Nascido na Dinamarca, filho de um pastor baptista, licenciou-se em Medicina pela Universidade de Copenhaga em 1948, especialista em tuberculose, foi eleito Diretor Geral da OMS em 1973, depois de ter liderado as campanhas contra a tuberculose no Equador e na India, a primeira ao serviço da Cruz Vermelha internacional e a segunda já como funcionário da OMS.

Diretor Geral da OMS de 1973 a 1988, Mahler foi o grande protagonista e obreiro daquilo que Sakellarides chama da “Grande Ideia”, a ideia de cuidados de saúde primários (aqui).

Concretizados em 1978 na Conferência de Alma-Ata, e definidos como

Primary health care is essential health care based on practical, scientifically sound and socially acceptable methods and technology made universally accessible to individuals and families in the community through their full participation and at a cost that the community and country can afford to maintain at every stage of their development in the spirit of selfreliance and self-determination. It forms an integral part both of the country’s health system, of which it is the central function and main focus, and of the overall social and economic development of the community. It is the first level of contact of individuals, the family and community with the national health system bringing health care as close as possible to where the people live and work, and constitutes the first element of a continuing health care process.”, os cuidados de saúde primários são nas palavras de Mahler uma revolução no pensamento e um esperança de justiça social “ For most, it was a true revolution in thinking. Health for all is a value system with primary health care as the strategic component. The two go together. You must know where you want your values to take you, and that’s where we had to use the primary health care strategy. There was a kind of jubilation immediately afterwards... The 1970s was a warm decade for social justice. That’s why after Alma-Ata in 1978, everything seemed possible. “ (aqui)

Mas cedo viria a instalar-se, nas palavras de Kenneth Newell, a “contra-revolução”. No ano de 1979 a Fundação Rockefeller patrocina uma pequena conferência em Bellagio (Itália), que junta o Banco Mundial, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional e a Fundação Ford, e formula uma agenda alternativa “ os cuidados de saúde primários seletivos”, centrados num único problema, tal como se fazia no anos 50 e 60.(aqui)

Ao mesmo tempo dá-se uma viragem na cena internacional, com a implementação das políticas de ajustamento neoliberais iniciadas nos anos 80 pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial,e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional nos países da América Latina e que levaram a todo tipo de privatizações.

Then came an abrupt reversal, when the International Monetary Fund (IMF) promoted the Structural Adjustment Program with all kinds of privatization, and that drew scepticism towards the Alma-Ata consensus and weakened commitment to the primary health care strategy. WHO regions kept on fighting in countries, but there was no support from the World Bank and the IMF. And the biggest disappointment was when some United Nations agencies switched to a‘selective’ approach to primary health care. That brought us right back to square one. We had started with selective health-care programmes, single diseases such as malaria and tuberculosis in the1950s and 1960s. Then we had this spiritual and intellectual awakening that came out of Alma-Ata, and suddenly some proponents of primary health care went back to the old selective approach again. Perhaps, paradoxically, Alma-Ata had in such instances the opposite effect to the one intended, as it made people think too much about selection, rather than following the Alma-Ata gospel of health for all.

Para SakellaridesA ideia de cuidados de saúde primários, ainda é hoje, …, uma iniludível referência emancipadora de grande actualidade: proximidade, dispositivos integradores que respondam às necessidades de saúde da comunidade, acesso, participação, sustentabilidade financeira integrada num processo de desenviolvimento mais amplo. A grande sìntese dos cuidados de saúde primários, fez-se em grande parte, a partir de um líder excepcional.” (aqui)

Passados 40 anos, sobre Alma-Ata e no momento em que as forças que defenderam os “cuidados de saúde primários seletivos” enveredam pela “Cobertura Universal” é necessário mais do que nunca denunciar a ideia de que a estratégia de cobertura universal defendida pela OMS e pela Fundação Rockefeller não pode ser “ uma forma de desconstruir o papel do Estado enquanto promotor do desenvolvimento económico e social. “

Aqui ficam as palavras de Halfdan Mahler à 61.ª Assembleia Mundial de Saúde em 2008 (aqui

" When people are mere pawns in an economic and profit growth game, that game is mostly lost for the underprivileged.
Let me postulate that if we could imagine a tabula rasa in health without having to deal with the constraints - tyranny if you wish - of the existing medical consumer industry, we would hardly go about dealing with health as we do now in the beginning of the 21st century.
To make real progress we must, therefore, stop seeing the world through our medically tainted glasses. Discoveries on the multifactoral causation of disease, have for a long time, called attention to the association between health problems of great importance to man and social, economic and other environmental factors. Yet, considering the tremendous political, social, technical and economic implications of such a multidimensional awareness of health problems I still find most of today's so-called health professions very conventional, indeed.

It is, therefore, high time that we realize, in concept and in practice, that a knowledge of a strategy of initiating social change is as potent a tool in promoting health, as knowledge of medical technology.


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