Em
1976, Halfdan Mahler, Diretor Geral da Organização Mundial de
Saúde (OMS), introduziu na agenda da 29.ª Assembleia Mundial de Saúde,
as ideias de cuidados de saúde primários e de “ Saúde para Todos
no Ano 2000”, e em junho desse mesmo ano uma plataforma de
organizações governamentais (aqui)“ Christian
Medical Commission, the
International Union against Tuberculosis, the League of Red Cross
Societies, International Cooperation for Socio-economic Development,
the International Planned Parenthood
Federation and the International Federation of Anti-leprosy Associations” (que ao
longos dos anos tinham desenvolvido projetos nos então chamados
países do 3.º Mundo, descritos na publicação “ Health by the people” por um
dos principais colaboradores de Mahler, Kenneth Newell) pôs em
marcha um plano de acção para desbloquear as resistências às
ideias do Diretor Geral, Halfdan Mahler e particular a ideia de que a
saúde deve ser vista como um recurso para o desenvolvimento
socioeconómico e não, apenas, como um subproduto do progresso
económico.
Mas
afinal quem era, Halfdan Mahler. Nas palavras Constantino Sakellarides no seu livro “De Alma a Herry: crónica da
democratização da saúde” era “ … «uma força da natureza»
… palavra decidida … um aspecto de visionário, determinado e
enérgico (e) uma extraordinária capacidade de comunicação... um
discurso directo e cortante, como importante componente de
mobilização afectiva.”. Nascido na Dinamarca, filho de um pastor
baptista, licenciou-se em Medicina pela Universidade de Copenhaga em
1948, especialista em tuberculose, foi eleito Diretor Geral da OMS em
1973, depois de ter liderado as campanhas contra a tuberculose no
Equador e na India, a primeira ao serviço da Cruz Vermelha
internacional e a segunda já como funcionário da OMS.
Diretor
Geral da OMS de 1973 a 1988, Mahler foi o grande protagonista e
obreiro daquilo que Sakellarides chama da “Grande Ideia”, a ideia
de cuidados de saúde primários (aqui).
Concretizados
em 1978 na Conferência de Alma-Ata, e definidos como
“ Primary
health care is essential health care based on practical,
scientifically sound and socially
acceptable methods and technology made universally accessible to
individuals and families in the community through their full
participation and at a cost that the community and country can afford
to maintain at every stage of their development in the spirit of
selfreliance and self-determination. It forms an integral part both
of the country’s health system, of which it is the central function
and main focus, and of the overall social and economic development of
the community. It is the first level of contact of individuals, the
family and community with the national health system bringing health
care as close as possible to where the people live and work, and
constitutes the first element of a continuing health care process.”,
os cuidados de saúde primários são nas palavras de Mahler uma
revolução no pensamento e um esperança de justiça social “ For
most, it was a true revolution in thinking. Health for all is a value
system with primary health care as the strategic component. The two
go together. You must know where you want your values to take you,
and that’s where we had to use the primary health care strategy.
There was a kind of jubilation immediately afterwards... The 1970s
was a warm decade for social justice. That’s why after Alma-Ata in
1978, everything seemed possible. “ (aqui)
Mas
cedo viria a instalar-se, nas palavras de Kenneth Newell, a
“contra-revolução”. No ano de 1979 a Fundação Rockefeller
patrocina uma pequena conferência em Bellagio (Itália), que junta o Banco
Mundial, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional e a Fundação Ford, e formula uma agenda alternativa “
os cuidados de saúde primários seletivos”, centrados num único
problema, tal como se fazia no anos 50 e 60.(aqui)
Ao mesmo tempo dá-se
uma viragem na cena internacional, com a implementação das
políticas de ajustamento neoliberais iniciadas nos anos 80 pelo
Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial,e pela Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional nos países da
América Latina e que levaram a todo tipo de privatizações.
Para
Sakellarides “ A ideia de cuidados de saúde primários, ainda é
hoje, …, uma iniludível referência emancipadora de grande
actualidade: proximidade, dispositivos integradores que respondam às
necessidades de saúde da comunidade, acesso, participação,
sustentabilidade financeira integrada num processo de
desenviolvimento mais amplo. A grande sìntese dos cuidados de saúde
primários, fez-se em grande parte, a partir de um líder
excepcional.” (aqui)
Passados
40 anos, sobre Alma-Ata e no momento em que as forças que defenderam
os “cuidados de saúde primários seletivos” enveredam pela
“Cobertura Universal” é necessário mais do que nunca denunciar
a ideia de que a estratégia de cobertura universal defendida pela
OMS e pela Fundação Rockefeller não pode ser “ uma forma de desconstruir o papel do Estado enquanto promotor do desenvolvimento económico e social. “
Aqui ficam as palavras de Halfdan Mahler à 61.ª Assembleia Mundial de Saúde em 2008 (aqui)
" When
people are mere pawns in an economic and profit growth game, that
game is mostly lost for the underprivileged.
Let
me postulate that if we could imagine a tabula rasa in health without
having to deal with the constraints - tyranny if you wish - of the
existing medical consumer industry, we would hardly go about dealing
with health as we do now in the beginning of the 21st century.
To
make real progress we must, therefore, stop seeing the world through
our medically tainted glasses. Discoveries on the multifactoral
causation of disease, have for a long time, called attention to the
association between health problems of great importance to man and
social, economic and other environmental factors. Yet, considering
the tremendous political, social, technical and economic implications
of such a multidimensional awareness of health problems I still find
most of today's so-called health professions very conventional,
indeed.
It
is, therefore, high time that we realize, in concept and in practice,
that a knowledge of a strategy of initiating social change is as
potent a tool in promoting health, as knowledge of medical
technology. “
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